Capítulo I

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Eu sou Rogério Formigoni, mas antes de tudo uma pessoa comum, como você que escolheu ler este livro. Como sou feito de carne e osso, acabei sendo tentado pelas coisas deste mundo. Infelizmente sucumbi a elas e, como consequência, passei sete anos vagando pelo descaminho do vício em substâncias tóxicas e prostituição. Fui refém durante todo esse tempo da prisão das drogas e presenciei os horrores que experimentam as pessoas perdidas nesse labirinto, do qual muitos dizem não ter saída.
Todas as minhas escolhas foram feitas por vontade própria. Contarei aqui a minha história, sobre como entrei nesse mundo de horrores imagináveis das drogas. Você terá também a oportunidade de conhecer a opinião daqueles que conviveram comigo. Todas essas pessoas desempenharam papéis marcantes ao meu lado, presenciando os meus piores momentos. Foi uma época dura, de decisões equivocadas e sucessivas. Os depoimentos delas estão distribuídos ao longo do livro, dando uma boa visão sobre quem eu fui.

"Cheguei a fumar em uma noite mais de cem pedras de crack, comprar um quilo de cocaína, um quilo de maconha, tudo isso para consumir em orgias intermináveis."
Rogério Formigoni

Era um risco que poucas pessoas aguentam correr. E eu sozinho cheirava um prato inteiro de cocaína, ou então cheirava carreirinhas a metro. Cheguei a um nível de descontrole em que misturava tudo e todos, todas as drogas disponíveis com todas as pessoas com quem cruzava. Nas páginas seguintes, você entenderá o passo a passo de como cheguei a essa situação.
Apesar de as minhas escolhas terem me levado a um caminho mais tributado, tive uma infância normal: brincava muito e praticava esportes. Eu era o mais alto da turma, por isso escolhi o basquete e o vôlei. Em casa, desfrutei de um ambiente tranquilo, sem maiores instabilidades. Meus pais eram pessoas de índole acolhedora, muito presentes é tão disciplinadoras quanto o necessário com seus filhos, minhas irmãs e eu. Não havia ali nada que pudesse me levar ao vicio, além da minha própria vontade. Mas na vida estamos sujeitos a diversos tipos de oportunidades, umas boas, outras não.
Morava em Lucélia, cidade do interior do Estado de São Paulo. Estávamos no final dos anos 1980. Já trabalhava, desde cedo. Comecei como aprendiz em uma escola profissionalizante de marcenaria aos 12 anos. Não era exatamente um emprego, e sim um ambiente de formação técnica. Ali começou a minha experiência com as drogas. O cheiro forte da cola de sapateiro foi o primeiro item do meu cardápio de substâncias tóxicas.

Cola de Sapateiro
Um dos inalantes mais consumidos pelos viciados, e popularmente conhecida como "cola", é uma mistura de compostos orgânicos, dentre eles o tolueno. É uma substância psicoativa que atua diretamente no cérebro, produzindo alterações do estado de consciência, causando forte e breve excitação e alucinações auditivas.
Efeitos colaterais: tontura, náuseas, espirros, tosse, salivação e fotofobia.

Cheirava tanto a cola, que um dia sofri um acidente que poderia ter sido muito grave, dadas as circunstâncias em que aconteceu. Uma tarde, depois de cheirar cola o dia inteiro, subi, não me lembro por que motivo, em um muro. Como estava totalmente cheirado, cai de cara no chão. O resultado foi uma fratura do nariz. Esse foi o primeiro impacto negativo que a droga me causou. Pelo menos no plano material, o único que a minha sensibilidade permitia alcançar na época. Mas os estragos espirituais já estavam muito mais adiantados.
Da escola de marcenaria segui para o meu primeiro emprego real, aos 13 anos, em uma fábrica de piscinas de fibra de vidro. Já viciado em cola, desenvolvi novos vícios numa trajetória que se estendeu até à idade de 19 anos. Nos sete anos de vícios que se seguiram, parti dos inalantes para o cigarro, "progredi" para a maconha, a cocaína, passei por experiências com chás alucinógenos (principalmente os de cogumelo), experimentei ecstasy e LSD, junto com anfetaminas associadas a bebidas alcoólicas (geralmente uísque), tomei remédios com tarja preta (popularmente chamados de rebites) e finalmente cheguei ao crack, pedra da morte.

                          Rebites
Também chamados de bolinhas, designam genericamente drogas estimulantes da atividade do sistema nervoso central, que deixam a pessoa "acesa", "ligada" com a impressão de estar com menos sono. É muito realizada por motoristas que precisam dirigir horas e horas sem descanso.
Efeitos colaterais: distúrbios do sono, hiperatividade, náusea, agressividade e irritabilidade; costuma causar também alucinações, paranoia, elevação da pressão arterial e da frequência cardíaca.

     Já havia avançado nos caminhos tortuosos do labirinto das drogas. Agora estava na fase dos inalantes mais fortes, aos quais fui apresentado na época em que comecei a trabalhar na fábrica de piscinas. Tinha entre 13 e 14 anos na época. Caí em um ambiente em que até o encarregado fumava maconha. Minha conduta equivocada é baseada em uma curiosidade irresponsável típica de adolescentes e na desinformação crônica que os aflige, me fez avançar ainda mais pelos corredores do labirinto.
      A minha curiosidade de aprender, "de ser adulto", me fez tomar essas decisões erradas durante uma fase da minha vida em que minha personalidade estava em formação. Trabalhei naquela empresa durante anos, aprendendo bem o meu ofício. Mas, infelizmente, o lugar que me acolheu com um emprego honesto acabou sendo a escola de um dos meus primeiros vícios. Já havia conhecido muita gente na minha vida, apesar de tão jovem. Muitas dessas pessoas eu vim a reencontrar mais tarde, já fora dos vícios. Falarei sobre isso no momento certo.
      Assim, a minha vida na droga progredia dia a dia. Na fábrica de piscinas, conheci diversas substâncias capazes de dar uma brisa, quer disser, de produzir um efeito de alteração da minha consciência. Entre as principais, estava um solvente à base de hidrocarbonetos com nome comercial Thinner é popularmente conhecido como Tíner.

                          Tíner
Solventes como o tíner são feitos à base de hidrocarbonetos e fazem parte do grupo dos inalantes, como a cola de sapateiro, produtos de limpeza doméstica, gasolina e éter, entre outros.
Efeitos colaterais: danos cerebrais irreversíveis, arritmia cardíaca, comprometimento do olfato, náuseas, hemorragias nasais, fadiga muscular.

        Além dele, havia a acetona, as resinas e o éter, que eu também manipulava e aproveitava para cheirar. Todas elas, quando inaladas, provocam uma certa euforia. Essas substâncias, todas elas hidrocarbonetos, são conhecidas como cheirinho da loló entre os jovens. Esses produtos foram mais uma porta de entrada para o caminho do mal. Eu e meus colegas de trabalho consumíamos tudo em lote, "junto e misturado", atrás de sensações de euforia, a famosa brisa, o chamado barato.
        Na verdade mesmo, o que eu queria não era a brisa em si; eu queria era me afirmar. Mas não sabia que essa era a maneira errada de ser popular. Na escola e no bairro, andava com novos "amigos" de classe média alta. E o veículo que estava à minha disposição era o meu conhecimento sobre produtos químicos. Eu era uma espécie de Heinsenberg, só que muito antes de Breaking Bad ir ao ar na Record.
       O meu convívio com esses "novos amigos" escancarou as portas dos vícios para eu entrar. Ao mesmo tempo em que cheirava o tíner e as outras substâncias que manipulava na fábrica e tornava disponíveis para o pessoal, fui adquirindo mais vícios. Era uma troca de experiências. Uma delas foi o tabaco.

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⏰ Last updated: Jul 17, 2019 ⏰

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