Take me to Neverland

Collen

Levei todos os pratos e talheres que sobraram na mesa da sala até a pia da cozinha, mamãe e minha tia estavam conversando enquanto lavavam a louça suja, era impressionante o quão parecidas as duas eram. Vovó estava no sofá antigo cor de vinho em frente à televisão assistindo algum programa antigo e decidi me juntar a ela. Sentei ao seu lado esquerdo e comecei a prestar atenção no programa que na verdade era um filme em preto e branco.

-Não é emocionante assistir algo de épocas passadas? - minha avó passou a mão ao redor dos meus ombros e deu duas batidinhas no meu braço esquerdo. - Seu avô adorava esse filme.

Peguei o controle na mesinha de centro e aumentei o volume, deitei no colo de minha avó e relaxei os olhos.

Estava deitada no braço do sofá quando dei por mim que todos já haviam subido para seus quartos e eu ainda continuava na sala. Televisão desligada e luzes do andar de baixo apagadas.  Levantei num só pulo e fui tateando até encontrar a escada. Subi depressa mas sem fazer barulho, não queria que os outros soubessem que eu ainda tinha medo do escuro.

Subi para o segundo andar onde meus pais, minha tia e minha avó dormiam, segui pelo próximo lance de escadas e fui para o terceiro andar. Passei pela frente do quarto de Collen, a porta estava entreaberta e vi que seu computador estava ligado e apitando com o aviso de que haviam chegado mensagens. Olhei de volta para o final daquele corredor e vi a porta do meu novo quarto fechada, não queria encará-lo ainda. Abri a porta do quarto um pouco mais e entrei. Meu primo, sentado em sua cadeira, apoiara a cabeça na mesa do computador e já devia estar no décimo sono para não ouvir esse som insistente, fui chegando mais perto e vi que o som se tratava de notificações de compartilhamentos e publicações de seus amigos no Facebook.

Conhecia a maioria de seus amigos por conviver bastante com eles quando pequena. Morávamos na mesma rua e toda vez que os amigos de Collen iam na casa dele para jogar, a tia Kelly me chamava para ficar de olho nos garotos. Um de seus amigos era o Noan, pele morena, olhos escuros e cabelos negros com cachos caindo em volta das orelhas, eu era apaixonada por ele aos meus oito anos de idade. Ele postou uma foto com a namorada e o filho naquele momento. Era estranho um amor de infância já ter formado uma família com tão pouca idade. Rolei o feed mais um pouco e fui vendo o tipo de grupos que meu primo estava: grupo de games, grupo de filmes, grupo de quadrinhos, grupo de intercâmbio... Este último me deixava triste. Collen estudou por um ano inteiro freneticamente, entrou para o time de futebol da escola e para o grupo de teatro junto comigo para se destacar na prova de admissão do intercâmbio que ele estava ansioso para participar. Mesmo com apenas um ano de diferença entre nós, eu via o quanto Col batalhava pelo o que queria, o quanto sonhava alto e não queria ficar preso por aqui. Mas seus sonhos foram interrompidos quando seu pai morrera. Eu nunca pude dizer o quão triste e orgulhosa ao mesmo tempo eu fiquei por ele ter desistido de seu sonho para ajudar a família. Ele com apenas dezesseis anos, ajudava a cuidar da loja que o tio Theo deixou, tinha as melhores notas de sua turma, continuava no time de futebol e no grupo de teatro e ainda conseguia manter amizades verdadeiras, coisa que eu nunca consegui.

Parei de olhar sua rede social e resolvi desligar o computador, antes de apertar o botão, outro som tocou na página do Facebook, voltei para essa aba e me deparei com uma mensagem da garota que destruiu a felicidade do meu primo e que acabou com a minha reputação mesmo sendo minha melhor amiga: Marrie.

Fiquei olhando aquela parte da tela continuar brilhando e eu não sabia o que fazer. Meu primo poderia acordar se eu não fizesse ela parar, mas eu não poderia olhar suas mensagens sem autorização, porém minha curiosidade foi maior.

Marrie e eu éramos amigas desde o fundamental, ela e sua família são da França e logo que se mudaram para cá, fizemos amizade na escola. Nossa amizade chegou tímida, mas nos tornamos melhores amigas com o passar do tempo. A alguns meses atrás, eu daria a minha vida para salvar a dela, hoje em dia não gasto meu tempo nem pensando nela.

Marrie é uma típica garota mimada que sempre consegue tudo o que quer. Roupas, brinquedos, eletrônicos, viagens... Mas ela não conseguia uma coisa: a atenção de Collen. Por anos fomos amigas inseparáveis, nunca escondeu que sempre fora apaixonada pelo meu primo, Collen nunca ligou para relacionamentos e preferia se divertir com seus amigos ou com seus jogos online. De tanto insistir e correr atrás de Col, Marrie conseguiu o que queria por quase dois anos, até que por ironia do destino, depois que teve o que queria, o traiu com o único cara que fazia meu coração adolescente bater mais rápido.

Ygor era minha alma gêmea, ou melhor, tinha de ser. Nunca senti o que sinto quando estou perto dele, então não existe outra coisa senão amor. Marrie sabia disso e mesmo assim traiu Collen, meu primo, com o cara que eu amo. Hoje eles estão juntos e compartilhando fotos do seu relacionamento perfeito.

Mas o que Marrie queria com Col? Por que o procurar àquela hora da noite? Meus dedos coçavam para abrir a conversa. Olhei para o lado, meu primo continuava dormindo. Olhei para a tela do computador e a conversa piscava me chamando. Cliquei.