Take me to Neverland

Jantar

Era muito estranho ficar neste quarto. Não parecia meu. Mesmo vovó tendo dito que não gostaria mais de dormir aqui e que tudo não passou de um surto pós estresse, era muito estranho tudo o que tinha dito. As palavras saíram de sua boca com muita clareza e certeza dos fatos, nenhum remédio era capaz de apagar esse trauma de uma pessoa. Por que ela diria que era tudo "coisa de sua cabeça"? Muito estranho...

O quarto tinha um misto de aconchegante e novo. Mesmo sendo o cômodo mais frio da casa, ele fazia de tudo para mostrar sua graça e fazer sua mais nova dona feliz. Nunca poderia imaginar ganhar um quarto nesse estilo, essa moda é de mais de 80 anos atrás, mas mesmo assim, muito elegante.

A janela era a parte que me dava mais conforto. Poder me sentar e olhar pessoas seguindo diferentes vidas por ali, diferentes tipos de pensamento, ideias, costumes... Poderia passar horas fazendo isso.

-O jantar está na mesa, pessoal - gritou papai depois de fechar a porta da frente.

Escuto meu primo descer os dois lances de escadas como se estivesse esperando por esse aviso a horas. Dou mais uma olhada pela janela. Os carros e pessoas passando juntos pela pequena rua, cachorros latindo, crianças aproveitando até o último minuto para brincar à noite. Tudo é tão sossegado, tão diferente da vida que eu levava no centro da cidade no pequeno apartamento junto com papai e mamãe. Não irei negar que gostava do barulho das buzinas e das vozes de pessoas bêbadas passando pela rua depois de uma noitada no pub da esquina. Agora moro um pouco afastada do centro, espero não estar perdendo a diversão no meu antigo condomínio. Fecho a janela e puxo as cortinas.

Desço o último lance de escadas e vejo toda a minha família sentada para o jantar, cortando vários pedaços de pizza e dividindo entre si. Eu nunca tinha visto essa cena fora Natal e aniversários. É algo estranho não ver mamãe chegando quase meia noite em casa todos os dias, não ver papai comendo no escritório dele em frente ao computador. Os dois sempre foram extremamente ocupados com o trabalho, e sei que posso ficar assim num futuro não tão distante.

-Oi filha, senta aqui do lado da sua avó - Mamãe puxa a cadeira para mim e se senta do lado oposto da mesa ao lado do meu primo. Papai e tia Kelly estão sentados nas cabeceiras. Lembro de quando vovô estava vivo e do ex marido de Kelly, o tio Theo, ainda estavam aqui. Para mim é difícil superar a perda de meu avô, mas penso que minha tia sofreu muito mais por perder o pai e o marido com a diferença de um ano.

-Nossa menininha vai ficar mais velha em poucos dias. - olho para papai do lado esquerdo e dou um sorriso.

-Como estão indo os preparativos para a grande festa, Ary? - minha tia estava na cabeceira oposta.

-Estou muito ansiosa para fazer 17 anos. É surreal pensar que falta pouco tempo para ter duas décadas de vida. - fiz todos rirem

-Duas décadas? Sua mãe e sua tia já têm quase cinco! Eu pelo menos estou conservada.

-A senhora só fala absurdos, mãe. Eu sou super nova e atualizada, tenho até Twitter - vovó ria de dar gargalhadas, não parecia que se lembrava do que aconteceu hoje à tarde. Meu primo não falara nada até aquele momento e estava um pouco nervoso -Collen, qual vai ser sua fantasia para a festa da Arya? 

-Eu... não sei se vou.

-Você vai perder minha festa de aniversário? - perguntei abaixando o pedaço de pizza de queijo da boca.

-Eu não queria, mas não posso ir, sinto muito. - Collen pegou seu prato e subiu as escadas.

-Isso tudo é por causa da Marrie? - papai olhou para Kelly.

-Eu não sei, Eduard. Collen parece muito afetado depois do relacionamento com ela, mas não acho que seja somente por isso que ele queira perder a festa. - deu um suspiro e se virou para mim - Arya, querida, eu já não sei o que fazer.

-Por que não desconvida a Marrie da sua festa? - perguntou mamãe.

-Não posso desconvidar minha melhor amiga, mãe. -disse furiosa- Além de que, o dono do salão é o pai dela.

-Eu vou conversar com ele - disse papai- Acho que ele precisa conversar com alguma figura masculina. - disse se retirando da mesa.

Tia Kelly concordou com a cabeça e baixou o olhar para o prato vazio. Penso no quanto essa mulher é forte e tenho mais orgulho ainda de além de tia, ela ser minha madrinha.