Capítulo 1 - O sonho

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  A neblina densa se mistura com o cheiro de cinzas. Fogo e sangue, isso resumia a minha visão no momento. Eu não quero acreditar, pra mim, tudo isso não passa de um sonho ruim. Só um sonho ruim... Só um sonho ruim... Só...um...sonho?!

  - ...iro... Mashiro, acorda... Mashir-

  - AAAAAH

  - AAAH

  Acordo assustado e ao meu lado, meu irmão com uma cara que dizia "eu te mato da próxima vez que acordar gritando".

  - Sonho... Era tudo um sonho! - Digo, aliviado enquanto me sento na cama.

  - Pesadelo?

  - Uhum!

  - Bem, isso é problema seu. O pai ta saindo pra floresta e eu vou com ele - Ele diz enquanto atravessa a porta do meu quarto - Aliás, hoje é a sua vez!

  Estalo a língua em descontentamento.

  - Acho que vou levantar então, droga...

  O sol transpassa as cortinas e deixa meu quarto bem iluminado ainda cedo na manhã. Nós moramos nas montanhas, em uma pequena vila com pouco mais de 100 habitantes. A grande maioria vive dos recursos da floresta e minha família não é diferente. Somos lenhadores, e não por duas ou três gerações, somos lenhadores a mais de mil anos. É praticamente um trabalho hereditário da minha família, e, apesar de não gostar muito, não tenho muitas opções por aqui.

  - Eeei! Alguém em casa? - Uma voz doce chama do lado de fora. Era Haila, uma garota que mora na casa ao lado (não que existam muitas casas que não sejam "ao lado" por aqui) e também minha amiga de infância. 

  - Não, não tem ninguém.

  - Certo, desc- não, quer dizer, EU SEI QUE VOCÊ TA AI, SHIRO!!! - Ela bate na porta com mais avidez. Provavelmente ela teria caído nessa a alguns anos atrás, eu com certeza não ficaria surpreso. 

  - Ok, ok, já tô indo - Respondo enquanto coloco um casaco de pele de leão das montanhas. Eu sei o que ela quer e por isso eu fico tenso.

  - Hoje é sua vez! - De novo, essas palavras chegam como uma bola de fogo na minha vontade de viver.

  - Eu sei... - Digo desanimado - Só tenho que me preparar antes...

  Ela estreita os olhos e mira diretamente na minha expressão. Uma gota de suor escorre do meu rosto nesse exato momento. 

  - EU SABIA, VOCÊ QUER FUGIR DE NOVO, NÉ?! 

  - E-eu??? Claro que não - Desvio o olhar.

  - Eu não vou sair daqui sem você - Ela bate o pé - Da última vez eu tive que fazer tudo sozinha porque você fugiu.

  Certo, não é mentira, mas também não foi bem assim. Resolvo não refutar, sei que não vai resolver nada de qualquer forma. 

  - Entendi, ok, calma - Digo pra acalma-la - Só me dá um minuto, certo? Preciso ir acordar a Sara. 

  Depois de vê-la assentindo com a cabeça, me viro pra dentro de casa e vago pelos corredores estreitos. 

  A questão aqui é: Em uma vila tão pequena, é normal existir a divisão de trabalhos que normalmente seriam problema dos governantes. Nossa vila tem um chefe, mas a escolha foi democrática. No fim, todos na vila já tem seu trabalho e ninguém se dispõe a viver exclusivamente de serviço comunitário, então, o chefe da vila (Sr. Nikep) decidiu que todos os moradores a partir de 16 anos tem um dia no mês para realizar uma tarefa "em prol da comunidade" (normalmente em duplas). O trabalho é sempre dividido por faixa etária, e vão de recolher água para o poço da vila até caçar animais para os banquetes frequentes que o chefe propõe alegando que "merecemos um descanso" (apesar de que ele é o único que não trabalha, mesmo nesses dias em que merecemos um descanso). 

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