Hoje, ao ver o primeiro documentário da série Women at War (1) específico sobre a Primeira Guerra Mundial (já havia visto o segundo há algum tempo), me deparei com algumas reflexões ainda muito vivas sobre o papel da mulher na sociedade.
O documentário aborda algumas questões fundamentais no enredo, tendo início na luta feminina pelo direito de voto na França. As francesas não sabiam que teriam que enfrentar duas guerras mundiais antes de conquista-lo.
A eclosão do conflito, paralisou, entre tantas coisas, as lutas sociais. A luta por direitos tornou-se a luta pela sobrevivência. Com os homens partindo para o front, coube a elas manter a casa, os filhos, os genitores, o trabalho, o pão. Passaram a ocupar a administração pública, as lavouras, os restaurantes, os hospitais, as fábricas. Jornadas duplas, triplas. O convívio diário com a morte e a destruição. A figura 1 mostra um cartaz publicado na França reforçando a atuação feminina durante a guerra.
Figura 1 – cartaz publicado durante a Primeira Guerra Mundial.(2)
A guerra, que deveria terminar rapidamente, se estendeu por 4 longos anos, ceifando a vida de mais de 1,3 milhões de militares (3), sem contar as baixas civis. Os estragos da guerra naquele país deixaram vales nos gráficos de evolução populacional³, observado na figura 2. A França terminou 1918 com uma população 7% menor que a do início do conflito.
Figura 2- Evolução populacional francesa entre 1801 e 2002 (4)
Responsáveis por manter o país em um dos períodos mais funestos do século XX, foram simplesmente apagadas da história, assim que terminado o conflito. Os diversos documentários, filmes, livros, artigos, fotografias da época celebram os esforços dos soldados na defesa da pátria, os sacrifícios realizados, a luta, a vida doada pelo país. Os militares aos milhares nas trincheiras, os cadáveres espalhados, os túmulos enfileirados nos cemitérios. Somente eles foram os heróis de um conflito sem sentido, iniciado por outros homens.
A elas só coube o silêncio. Retornar aos afazeres domésticos, cuidar dos familiares feridos, reconstruir o lar. Aceitar os direitos de voto não conquistados, aceitar o luto, voltar a insignificância de seus papéis na sociedade.
Mas qual o motivo de relembrar questões de mais de cem anos atrás? Certamente a sociedade evolui muito nestes 105 anos. No entanto, a igualdade de gênero está muito longe de ser alcançada.
Neste momento político tão difícil no país, de retrocessos sociais significativos, é importante reforçar alguns fatos importantes, divulgados pela ONU no final de 2017 (5):
· 35% das mulheres no mundo já sofreram violência física e/ou sexual por um parceiro íntimo ou violência sexual por um agressor que não era seu parceiro;
· As mulheres ganham, em média, 23% a menos que seus pares masculinos;
· As mulheres ocupam menos de 15% das posições nas câmaras do Legislativo em quase um terço de todos os países com parlamentos.
Enquanto estas estatísticas não forem corrigidas é preciso sim relembrar das grandes guerras, das centenas e milhares de páginas de livros que omitiram o protagonismo feminino, das lutas por igualdade que devem continuar.
Fontes:
(1) Women at War 1914-1918. Disponível em: <https://www.netflix.com/br/title/80230465>. Acesso em: 21/07/2019.
(2) A mulher francesa durante a guerra. Disponível em:<https://www.wdl.org/pt/item/4651/view/1/1/>. Acesso em: 21/07/2019.
(3) Première Guerre mondiale. Disponível em: <https://www.memoiredeshommes.sga.defense.gouv.fr/fr/article.php%3Flarub%3D24%26titre%3Dmorts-pour-la-france-de-la-premiere-guerre-mondiale>. Acesso em: 21/07/2019.
(4) Évolution de la population de la france métropolitaine. Disponível em: <http://www.population-demographie.org/pdf/Population_France_depuis_1801.pdf>. Acesso em: 21/07/2019.
(5) ONU: 16 fatos sobre desigualdades entre homens e mulheres. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/onu-16-fatos-sobre-desigualdades-entre-homens-e-mulheres/>. Acesso em: 21/07/2019.
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As Mulheres na Guerra
Não FicçãoHá 105 anos atrás se iniciava um dos maiores conflitos do século XX: A Primeira Guerra Mundial. Embora tenha sido dissecado centenas de vezes, através dos mais diversos recursos, tais como livros, filmes, documentários, peças teatrais, uma personage...