Capítulo 1 - Um Bom Dia.

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24/06/2019
São Paulo, Vila Joana.

A mochila estava pronta.
Com o caderno, caneta, chuteira e o baseado para a hora do intervalo. Tudo bem organizado para que Dona Maria nem imaginasse a existência daquele cigarro. Guilherme tinha acabado de sair do banho e já colocava a blusa branca do uniforme e aos tropeços a sua calça jeans. Se apressava por causa das reclamações de sua mãe que sempre o acordava gritando que já eram sete horas, sendo que o relógio ainda marcavam seis e quinze. Era estressante, mas ele entendia que era apenas a preocupação dela. O menino foi até a cozinha, jogou mochila de qualquer jeito na cadeira e deu um beijo rápido no ombro de sua mãe que já estava nos preparativos para levar sua irmã a escola e depois ir ao trabalho. Ele olhou para o celular, ainda tinha tempo para tomar o café da manhã, pegou uma xícara da pia e também a panela com leite quente do velho fogão, foi pondo em seu copo e procurando a garrafa preta de café.

- Tem bolacha ainda? - perguntou.
- Bom dia procê também. - repreendeu virando-se para o rapaz e vendo ele se servir do café recém feito. - Mar tu demora horrores pra comer, tá com pressa do nada? Dormisse do lado errado, foi? - perguntou a mulher enquanto voltava a arrumar a lancheira da filha mais nova.
- Hoje é a prova, lembra? - disse rindo enquanto bebia o leite e mordiscava um pedaço de broa. - Você vai ir me ver?
- Ah... Gui, veja bem. - suspirou colocando uma mecha do longo cabelo cacheado para trás da orelha, naquele momento ele já sabia, conhecia bem aquela frase, filho de faxineira era óbvio que ela não iria vê-lo no teste de futebol. Maria se virou, encostando na pia e levando uma das mãos aos pequeno crucifixo em seu pescoço. Com uma certa vergonha deu ao menino um olhar de tristeza. - Perdoa a mãe, eu de trabalha até tarde dinovo, as contas apertô por dimais.
- Mãe, calma. - disse tomando o último gole de seu copo, levantou e passou pela mesa calmamente, indo até sua mãe e deu um beijo no rosto da mulher. - Eu te entendo, só torce por mim, okay?
- Vô torcê sim, meu fio. - um sorriso brotou timidamente nos lábios dela. - Ocê é o melhor zagueiro da escola, o moço vai imporar pra te ter no time!
- Eu sei disso. - sorriu de volta.

Foi até a cadeira, pegou a mochila e a pôs a nos ombros, alcançou o seu tênis vermelho debaixo da mesa sentando-se novamente e o calçou, enquanto se levantava ouviu um resmungo infantil baixo por trás de suas costas e virou a cabeça para olhar, era sua irmã, ela estava enrrolada em um corbertor roxo de princesa e vestida com seu pijama cor-de-rosa cheio de florzinhas, ela passava as mãos no rosto ainda com uma expressão emburrada de sono.

- O monstro saiu da toca? - Guilherme implicou rindo ao observar a menina se sentando.
- Num me estressa, idiota. - resmungou olhando para ele com uma cara feia. - Vai pra escola que você ganha mais, seu burro.
- Uh! Que medo, cadê os dentões ou seu único super poder é você ser feia?
- Ei! Para os dois. Logo cedo, já? - repreendeu Maria, virando o rosto para eles. - E a senhorinha, trate de ir tomar banho.
- Não quero ir pra escola... - choramingou se debruçando sobre a mesa. - Tá frio.
- Giovana, agora. - a menina continuou parada, balançando os pés abaixo da mesa e gemendo de irritação. A mulher tirou o chinelo de seus pés e bateu-o contra a beirada da pia. - Agora!
- Tô indo, tô indo. - Giovana se levantou as pressas, até deixando o cobertor de lado.
- Ocê também. - apontou o chinelo para Guilherme. - Vai pra escola, xispa. De filho vagabundo já me basta seus irmão.
- Tô indo, tô indo. - imitou a irmã e saiu rindo, quando passou pela porta ouviu de longe um 'Deus te abençoe' e sorriu.

Gui foi subindo o morro e passando por entre as vielas, sentindo o cheiro de terra molhada misturado com mato, ele adorava as manhãs.
Colocou o fone de ouvido e já ligou o celular no volume máximo, gostava de ouvir as músicas MPB no rádio quando estava indo ao colégio e mesmo o caminho não sendo muito longo, a música não poderia faltar, era algo essencial. Foi andando sem pressa, chegando até um bairro de classe média que era do lado da favela.
Olhou o celular, seis e vinte e seis, ele ainda estava com tempo, o portão do colégio só abriria as sete e dez, levantou os olhos do celular e procurou rapidamente a casa de fachada amarela, retirou os fones e caminou até a frente do portão prateado, olhou pela fresta das grades grossas antes de bater palmas, não queria acordar toda a família de Igor, mas logo viu as luzes acesas e o vulto de Dona Julia passar pelas janelas da sala, deu de ombros e bateu palmas.

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⏰ Última atualização: Jul 28, 2019 ⏰

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