Como tudo começa

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       Foi-se o tempo em que escreviam-se cartas para os namorados. É o jeito romântico de se dizer “eu te amo” e cometer firulas, dignas de um romancista. Mas isso ainda acontece com quem menos se espera. Como é o caso do jovem Jeferson, que está prestes a abrir uma carta do Fabrício, seu namorado. O cara não é lá essas coisas, mas é do time de futebol da escola e tem pinta de gatinho, porém, super discreto.

        Jeferson senta-se em sua cama após se trancar em seu quarto, ansioso, começa desembrulhar um envelope meio desajeitado e levemente amassado. Não era o papel mais caprichado que algum romântico escolhera para embalar as palavras mágicas com declarações amorosas. Essa pessoa, talvez não fosse tão caprichosa assim a ponto de escolher um belo envelope. Talvez, Fabrício nem ligasse pra isso, ou achava que era frescura demais – pensou Jeferson. Então, começou a ler.

        “Oi Jefinho, faz só algumas semanas que a gente namora, e a gente já fez muita coisa junto, né? Só que eu não estou gostando dos nossos encontros em segredo, de ter que esconder de todo mundo que a gente se gosta. E além de tudo, se alguém descobrir que eu gosto de garotos eu tô ferrado, meu. É melhor a gente acabar logo com esse namoro enquanto dá... Muito obrigado pelos beijos e abraços e valeu por tudo mano, tô realmente fora. Beijos!”

        A reação foi instantânea. O que ele não esperava finalmente aconteceu. As lágrimas encheram os olhos do garoto, que sem esconder seus sentimentos tira os óculos e olha atônito para as paredes do quarto. Dentre os recortes e figuras de estrelas, popstars e ídolos do rock, ele se sente sozinho. Quando inesperadamente seu celular toca. Ao ver no bina que era uma pessoa importante, dá um mergulho na quadra de vôlei do seu quarto em busca da bola que pode salvar esse jogo. E deita-se contudo na cama descarregando informações sem parar ao telefone como um frenesi.

        - Oi Danilo, ele acabou comigo cara. Como ele pode me fazer passar por uma situação dessas. Eu gostava do cara sabe. A gente se dava tão bem e agora... agora... sei lá, o que eu faço pra ele saber que eu gosto dele? Mas que coisa, ele nem viu isso e acabou tudo por uma carta, quanta... – quando foi interrompido.

        - Calma – grita alguém de lá - Eu nem sei de quem você está falando amigo, fala devagar porque parece que você está aos prantos.

        - Eu estou aos prantos – redarguiu Jeferson, mas logo ajeitou o telefone à orelha e explicou toda a situação – e mal, porque o Fabrício não teve coragem de falar comigo pessoalmente e acabou nosso namoro por carta, você acredita Danilo?

        - Larga de besteira e vamos no Frick’s comer algo, lá você me conta tudo. Levanta essa bunda da cama, põe um look e vamos sair. Te encontro lá daqui há meia hora, pode ser? – Retrucou Danilo e assim despediram-se.

        Uma vez com ânimo recobrado Jeferson veste sua camiseta preta com uma estampa de um dos álbuns do Simple Plan, e tira debaixo da cama seu all-star surrado lilás, que combina com sua franja arroxeada que cuidadosamente é arrumada em frente ao espelho do banheiro, destranca a porta e sai em disparada. A casa da sua mãe era suntuosa, estilo americana, com uma enorme escada que culminava na sala de estar, onde sua mãe e amigas batiam um papo. Ao descer as escadas e com um pé dentro e outro fora da cozinha foi surpreendido quando ouviu sua mãe gritar:

        - Oh menino, não vai cumprimentar minhas amigas não? Ou já está de saída pra algum lugar sem avisar novamente? – Indagou a chefe da família Bittencourt.

        - Mãe, você me enche de perguntas. Tô indo encontrar o Danilo no Frick’s e volto mais tarde. Mas se nossos planos mudarem ou ele me convidar pra dormir na casa dele te ligo, pode ser? – E voltando à sala deu um beijo nas bochechas rosadas de Nora, e um “tchauzinho” às amigas, e saiu dando uma vantajosa mordida na maça que acabou de surrupiar da cesta de frutas.

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