Capítulo 1

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O cansaço repousava pesadamente em meus ombros machucados. Meu rosto estava tão ruim quanto meu estado emocional. Tirei o vestido vermelho e o joguei de lado, arrancando a peruca loira que eu usava, deixando meus longos e castanhos fios à mostra. Tirei a touca do cabelo e me aproximei do espelho, observando os hematomas em meu rosto.

Quando que as coisas deram errado?

Me perguntei mentalmente, em busca de alguma informação plausível. E era óbvio que eu não tinha nenhuma. Adentrei no chuveiro, logo depois de me despir por completo. A dor não me causava tanta aflição quanto os motivos que levaram a tudo desse errado. Deixei que meu cabelo molhasse por completo. A água queimava cada hematoma presente no meu corpo.

Lavar o cabelo lava a alma, costumavam dizer no orfanato. Em partes era verdade, eu me sentia eu novamente. Depois do longo e doloroso banho, decidi que colocaria apenas uma blusa larga e teria uma boa noite de sono.

Quem eu estou querendo enganar?

Peguei o vidro de oxicodona sobre o armário e a garrafa, que já estava pela metade, de uísque. Engoli prontamente os dois, em uma combinação venenosa. Não evitei a careta que o álcool junto ao gosto do comprimido me causou. Balancei a cabeça negativamente e voltei o vidro de volta para a superfície, indo em direção à grande e confortável cama que me esperava. Uma das vantagens dos hotéis, além do serviço de quarto, eram as camas maravilhosas. Me joguei sem pudor na mesma, esperando que a combinação perigosa de álcool com analgésico fizesse efeito. Não demoraria, por conta do cansaço que meu corpo apresentava.

[...]

-Você está péssima. – Richard disse em tom de preocupação. Eu havia passado maquiagem o suficiente parra cobrir os hematomas, mas minha feição de cansaço não era possível esconder.

-E você está velho. – Disse, colocando o cigarro entre o dedo indicador e o do meio, e o levei até a boca. O homem à minha frente balançou a cabeça negativamente. Richard era um homem de 50 anos, negro, alto e calvo, com uma barba tão branca quanto o que sobrou de seu cabelo. Seus dentes quase cegavam, alinhados em um sorriso encantador e branco.

- Já te disse que é um péssimo habito. – Arqueei as sobrancelhas e traguei lentamente a fumaça, enchendo meus pulmões dolorosamente. – Vai acabar te matando.

-Vocês vão acabar me matando. – Suspirei. – E você acabou de dizer que eu estava péssima. É para combinar. – Disse, ainda segurando a fumaça. Virei o rosto e a soltei pesadamente. – Me chamaram na sede porquê? – Minha voz estava rouca, ainda doía falar. Eu havia sido enforcada recentemente, o que formou um grande e doloroso hematoma em meu pescoço. Que era imperceptível com a maquiagem.

-Nós vamos ter algumas mudanças. – Ele ajeitou seu terno cinza de linho, medindo-me atentamente. Richard coçou a cabeça e forçou um sorriso, o que me deixou com todos os sentidos aguçados. Algo estava por vir. Ele se aproximou e tocou em meu braço, coberto pela camisa social branca. – Fiquei preocupado com você... – Eu conseguia identificar verdade em sua palavra.

-Eu sei. – Sorri fraco. Richard era o mais próximo que eu tinha de um pai. Ele me ensinou a maioria das coisas que eu sei. – Não sei o que deu errado... – Confessei. – Não tinha como nada dar errado.

-Vamos... – Ele disse persuasivo, fazendo um gesto com as mãos pedindo para que eu o seguisse. E eu o fiz. Andemos corredor a fora, até chegarmos a uma porta com exigência de credenciais. O ambiente em si era todo em tons de cinza e branco, mais neutro que aquilo era impossível. Eu detestava aquele lugar, as paredes lisas me deixavam desconfortáveis. Traguei novamente, tentando saciar minha ansiedade que estava prestes a me consumir. Eu não me sentia daquele jeito há anos.

Programados para MatarOnde histórias criam vida. Descubra agora