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Oi, amiga!

Gratidão pelo queijo! Você sabe o quanto eu amo um queijo do campo. Ele tem sempre um sabor inigualável. Ratos, humanos e demais animais possuem sabores atrativos e inebriantes, mas algumas coisas possuem sabores pelos quais vale a pena perder a vida. Sim, muitas vezes sentir toca mais que viver. E, sim, com toda a certeza de uma vida espertamente vivida e de minutos escorregados, o queijo do campo é uma dessas coisas. Ah, eu morreria por um queijo do campo! Desde que o sentisse, já estaria no paraíso.

Agradecimento devidamente registrado, posso passar para o segundo assunto: viver. Geralmente conversamos sobre novidades, mas hoje eu amanheci reflexiva e, ao saborear seu queijo, vi esse processo se intensificar. Queria apenas registrar uns medos e umas preocupações, saldo de um tal amadurecimento, eu acho. O que eu queria mesmo, na verdade, era apreender o amadurecimento. Como percebemos o amadurecimento? É medível? Palpável? Perceptível? Como eu percebo que amadureci? Tudo isso me inquieta porque eu sou dos pormenores, descobri recentemente.

Ontem, há não muito tempo, eu caminhava com a inconsequência e, de mãos dadas, enxergávamos o mundo. Sem cobranças, sem pressões, com apenas algumas sequelas facilmente dissolvidas no intervalo de uma semana. O sim e o não pareciam pesar igualmente, assim como o talvez, o com certeza e o tanto faz. Era a linguagem da despretensão, da resposta mais próxima que o cérebro pudesse expurgar; não importava seu efeito, importava se algo faria meus lábios se movimentarem. Não ficar calada era minha única certeza.

Hoje, tudo mudou. Estou refém da linguagem do ponderamento. Da linguagem da análise, das previsões, da antecipação das consequências... da linguagem do desvio, da defesa, do enclausuramento. E creio que tudo isso faça parte do tal amadurecimento. Com você também foi assim? Você também percebeu essas mudanças? Amadurecer, então, deve ser mudar de linguagem; mas eu queria era que amadurecer fosse brincar com a linguagem, dizer tudo e não dizer nada... ser, estar e se refazer. Eu só queria não ter de escolher, queria experimentar o mundo. Se eu morresse nesse processo, como já disse, morreria feliz. Mas será que eu morreria madura? Morrer por um cheiro, por exemplo, é ser madura? O problema é que eu não sei nem o que é o amadurecimento. Só posso dizer que eu morreria realizada e isso vale mais que ser madura, seja lá o que isso queira significar. Existir sendo... Existir sendo sempre, nunca existir vivendo.

Por falar em não querer escolher, é que avançamos para o seguinte, Sofia: como eu faço para escolher? Por que escolhas pesam tanto? Eu, sinceramente, não sei como lidar. Como havia lhe contado, apareceu uma nova oportunidade de moradia para minha família e agora estamos aqui ponderando. Se formos, ganhamos oportunidades e perdemos laços. Se ficarmos, perdemos oportunidades e fortalecemos laços. Para onde ir?

Crescer tem disso e é horrível porque dói. E o mais surpreendente para mim é que não nos damos conta desse crescimento, não nos percebemos grandes. Piscamos crianças, descerramos as pálpebras adultos – talvez algumas coisas não precisam ser vistas, acontecem por cima das pálpebras. Infelizmente, aprendi que não tem como fugir disso e precisamos lidar com essa realidade. Contudo, é no "precisamos lidar" que mora o perigo. Precisamos lidar, mas não precisamos nos perder nem nos acomodar, pelo menos é o que tento, busco a cada dia – venho falhando lamentavelmente.

A correria é tão grande, as decisões e as atitudes a serem tomadas pesam tanto, exigem tanto que eu acabo por esquecer de mim. De tanto fugir de ratoeiras, fugi de mim. Não deixe que isso aconteça com você, minha amiga, por favor. Mas eu sigo me buscando, me preservando, tentando não deixar o amadurecimento levar o que ainda resta de mim, não expandir uma personalidade pronta para o mundo, mas despreparada para a Sônia.

Muito obrigada, novamente, pelo queijo e por estar lendo minhas preocupações e reflexões presentes nessa carta. Aguardo suas contribuições sobre esse processo que é crescer. Um abraço cheio de ternura e amor da sua amiga

Sônia.

Como queimar em silêncio?Onde histórias criam vida. Descubra agora