A QUEDA

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A caixa se rompe aos poucos, causando ansiedade e medo.

Medo do desconhecido, medo de onde você irá cair, medo do que te espera lá fora.

Por muito tempo você imaginou como seria o mundo. Já deixei claro que você não conhecia as palavras, certo?! Então a sua mente tinha bastante espaço para imagens. A ansiedade de como seria o mundo real poderia te decepcionar ou te surpreender.

Mas ao cair de uma grande altura, qualquer ser vivo em sã consciência se desespera. A luz cega os seus olhos por alguns segundos, até mesmo minutos dependendo da intensidade da mesma. O ar parece surrar os seus pulmões. Dentro da caixa era abafado, você está do lado de fora agora, caindo a quilômetros por hora, o ar está sendo bem intenso.

Se misturarmos a sensação de queda livre com a luz cegante e o ar sufocante - que chega a ser irônico - você irá se sentir desesperado.

Você estava dentro da caixa, lá era quentinho, confortável e seguro. Agora está despencando por um longo período, tendo que se acostumar com a claridade e com o oxigênio invadindo os seus pulmões.

Pela caixa ser fechada, você não tinha acesso à luz do sol, passava pelas frestas, porque como eu disse anteriormente, a caixa não era 100% impenetrável, mas não era a mesma coisa de agora. As pequenas luzes que você via antes, comparadas ao o que você vê agora, era um pisca-pisca ao redor de uma árvore de natal se comparado a Las Vegas.

O oxigênio dentro da caixa era escasso, e pelo sol sempre bater nela, o ambiente era abafado. Você sentia dificuldades em respirar e sempre almejava por ar puro, ar fresco. Bom, agora você o tem. Mas não é como imaginava. Ele invade as suas narinas até quando você não quer. Você não consegue manipular o seu inspirar e o seu expirar. Está tudo fora de controle.

Mas agora deixando a caixa pra trás, porque afinal, ela já está há metros acima de você, e mesmo se você quisesse voltar pra dentro dela seria impossível, ela já foi rompida, impossível habitar em um lugar sem chão.

Você está alto, consegue admirar toda a cidade. As pessoas passeando lá em baixo, os prédios, os jardins, as fazendas, os carros. Pra começar: as pessoas não são como você imaginava. Elas não andam sorridentes por aí, brincando entre as flores e distribuindo abraços. Elas tinham a feição aborrecida. Mas qual era o problema dessas pessoas? Elas foram livres a vida inteira. Vivendo com ar puro, acostumadas com a claridade, conheciam palavras, viviam em conjunto, mas ainda assim, pareciam ser tão tristes.

Você sentiu medo de que quando aquela queda acabasse, o contato com o mundo real te transformasse em uma daquelas pessoas.

Você viveu a sua vida inteira preso, certo. Chorou diversas vezes, certo. Mas não é hipocrisia da sua parte dizer que essas pessoas são más agradecidas. Elas são livres, tem contato com outros da sua espécime e mesmo assim andam por aí zangadas. Fazem suas tarefas porque são obrigadas, não porque querem.

Mas no fundo, você estava ciente que nada poderia tirar a sua alegria de finalmente estar livre. Nem mesmo o contato com o mundo real.

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