Mr. Chubby & Bloody Sangsues

Prólogo

É manhã, e os pássaros já fizeram dos céus o palco para seu coro matinal. Coberta até a altura de suas enormes orelhas de morcego, Sinkbat Deschamps, mesmo já tendo despertado a alguns minutos, aguarda disposição para enfim se levantar. Por um instante contemplou a solidão de seu enorme apartamento, deixando escapar um breve suspiro. Em sua bela cozinha modernista, tal como o restante dos cômodos, deixou a máquina de café passando os grãos enquanto ia para seu banho. Na volta o café já estava pronto e, observando o intrigante preencher de sua caneca, Sink divaga sobre seu passado.

1813 em la belle France. Desde os primórdios, criaturas fantásticas esgueiram-se pelos confins da ignorância humana. Conseguem tomar conhecimento de tais seres - e continuar com vida - apenas os mais aptos para tal. Sinkbat é fruto de um relacionamento incomum entre vampiros. Em geral, esses sugadores de sangue não conseguem se reproduzir. Novos vampiros são gerados por meio de um rito muito exclusivo chamado de ''Abraço''. Entretanto, o sangue do casal não era potente como o de outros vampiros mais velhos e isso possibilitou o surgimento de uma cria.

As manchas rosadas espalhadas por todo seu corpo, além de suas orelhas nada convencionais, são consequentes dessa relação instável. Sua existência fez com que vampiros conservadores caçassem seus pais e, daí em diante, suas memórias são nebulosas e confusas. Sabe-se apenas que a garota morcego ficou cega de seu olho devido a um corte durante uma luta com seu pai, que tentou assassiná-la para preservar a própria não-vida. Deschamps se vê tão distraída em seus pensamentos que deixa o café transbordar e queimar sua mão. Por instinto, xingou tão alto, que toda ave cercando o perímetro do prédio, voou em fuga.

Passam-se algumas horas e a capital se torna cada vez mais barulhenta. No momento, Sinkbat se mantém com a herança de seu pai e uma indenização do estado, decretada como maneira de tentar dissipar uma dívida histórica dos humanos com as criaturas sobrenaturais, que hoje em dia são admitidas como cidadãos. Claro que, o fascínio do homem com esses seres nunca vai mudar, tornando as criaturas sempre o centro das atenções por onde passam, seja isso bom ou ruim, considerando que ainda existem muitos radicais que discordam da atitude do governo em civilizar os monstros.

A suposta herança, no entanto, não é de seu pai biológico. Quando fugiu, Sink não tinha para onde ir. Na época, criaturas sobrenaturais como ela ainda eram marginalizadas e caçadas. Mesmo buscar um orfanato seria inútil, já que eram todos de igrejas católicas que jamais admitiriam uma descendente de vampiros dentro da morada de Deus. Sem rumo, se tornou uma ladra. Vagava de cidade em cidade e roubava para se alimentar. Talvez o que tenha a salvo de não sucumbir seria não ter herdado de seus pais as duas maiores fraquezas dos vampiros: a vulnerabilidade ao sol e a sede de sangue -claro que, de vez em quando, é uma boa pedida-.

Foi em uma noite tempestuosa quando ele veio até Deschamps. A menina já havia percebido que estava sendo seguida e virou a esquina em uma viela, subindo em uma caçamba de lixo para então dar altura à escada emergencial do apartamento. Dali, aguardou. Um homem, trajado por um sobre-tudo creme, alcança o beco. Um chapéu de coco mantém sua face incógnita, no entanto, o próprio homem o tira, revelando um semblante jovial. Cabelos curtos e loiros penteados para trás em conjunto com uma barba rala por fazer.

Em todo esse tempo sobrevivendo sozinha, Sink aprendeu que não devia amolecer com ninguém. Para ela, os humanos eram fracos, vazios e indignos de confiança. Entretanto, a proposta parecia irrecusável e quando o homem estava para ir embora, ela reconsiderou. Com a promessa de um lar com outras crianças tão estranhas quanto a pequena, ele convenceu a pequena. No entanto, antes de qualquer coisa, ela o questionou como era viver normalmente. Sua resposta foi que, felizmente, também não sabia a resposta. Assim, a vampira soube que poderia confiar nele.