Cores se apagam

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Um véu alaranjado cobria o horizonte e em breve algumas estrelas começariam a dançar sobre o céu. Os pássaros se preparavam para mais um noite de clima frio, os galhos secos resultantes da estação de outono raspavam contra as paredes escuras da maior casa do bairro. Modéstia à parte, o bairro exibia grandes jardins e uma praça em seu centro; logo uma casa de três andares era considerada de classe alta.

No entanto, a paz é temporária assim como uma bolha de sabão. Quando crianças, buscamos estoura-las afim de nos distrairmos. Quando crescemos, buscamos a todo momento criar uma bolha e tentar entrar nela para se isolar do mundo agitado no qual vivemos.

Há várias estações eu estava dentro da minha bolha, estudava pilhas de contratos e livros de administração para ter capacidade de comandar a empresa que meu pai havia deixado. Eu tinha que me acostumar com a ideia de ser o dono de uma grande editoria de livros físicos e digitais, já que meu irmão não tinha nenhum interesse em seguir o ramo da família.

No meio de tantos pensamentos e diálogos silenciosos, os ventos decidiram que era hora de vir com uma afiada agulha estourar a minha bolha, enfim, ela explodiu da maneira mais dolorosa possível.

-Não! Isso não pode estar acontecendo... Vo-você está mentindo! -Eu repetia desesperadamente, enquanto o policial que se encontrava na porta de minha casa dizia "Eu sinto muito."

E naquele momento me vi completamente perdido. Mentiroso é quem diz que homem não chora pois agora eu estava aos prantos. Minha mente era um caos de informações e pensamentos, bom, não é todo dia que se é obrigado a reconhecer o corpo sem vida de um amado irmão.

Só então pude perceber que o bairro estava mais calmo do que nunca, que apenas metade da rua estava sendo iluminada pelos postes de luz, que diferente dos outros dias não havia cachorros vagando sem rumo pelo asfalto e que as lágrimas já tinham parado de escorrer; dando lugar para olhos avermelhados.

Já no local, com passos lentos adentrei na sala indicada e pude confirmar enfim que era sim meu irmão. Descobri que o falecimento de Nathaniel não foi por um acaso, ele havia sido assassinado.

Eu estava frio, meu corpo tremia ligeiramente e os pelos permaneciam eriçados. Eu não sabia como me sentir e acabei não sentindo nada, apenas um grande vazio que sou incapaz de descrever.

Após um longo período de tempo repleto de perguntas, tive a permissão de me retirar da melancólica delegacia e ir para minha casa. Como foi um policial que havia me deixado aqui, eu chamei um motorista particular e fui para casa com a cabeça apoiada no vidro do carro; a música que tocava no rádio tomava conta de meus devaneios.

Não é uma hipérbole dizer que eu estava completamente sozinho: Há alguns anos, fui presenteado com a perda de meus pais, eu ainda era pequeno e meu irmão me ajudou dia após dia, foi ele que me mostrou que a vida ainda tinha cor mesmo sem meus lápis preferidos.

Agora as tintas haviam secado, os lápis foram quebrados e minha tela de pintura rasgada.

Antes de subir os degraus e abrir a porta de casa para entrar, me sentei no banco feito de madeira na área externa e respirei fundo observando as nuvens. Sócrates uma vez disse que se todos os nossos infortúnios fossem colocados juntos e, posteriormente, repartidos em partes iguais por cada um de nós, ficaríamos muito felizes se pudéssemos ter apenas, de novo, só os nossos. Sempre concordei com esse pensamento, mas agora mais do que nunca, dúvidas me cercavam.

Decidido a me limpar e tentar relaxar, entrei em casa para subir as escadas e ir até minha suíte tomar um longo banho. A cozinha, sala de estar, sala de jantar, lavabo e a lavanderia ficavam no primeiro andar; no segundo havia duas suítes, um banheiro e dois quartos para hospedes.

O silencio me cobriu com seus longos braços, foi como uma sexta-feira em que Nathaniel só chegaria domingo; no entanto, hoje é quarta-feira.

Com o corpo ainda úmido desci as escadas com o propósito de alimentar Spike, meu cachorro Border Collie. Preparei lentamente sem nenhum entusiasmo um café forte, pois independente do mesmo, eu não iria conseguir dormir tão cedo.

Uma dor latejante se estendia de meus olhos até minha nuca. Fechei os olhos com força e me arrependi em seguida; possíveis cenas em que minha família era torturada e esquartejada rondavam minha mente. Abri os olhos rapidamente e fitei o jogo de facas na cozinha, brilhavam como nunca.

Eu nunca, em hipótese alguma daria o gostinho da vitória a quem quer me ver fracassar. Então dispensei qualquer pensamento suicida e foquei em fazer coisas mais úteis.

Levantei a questão do momento e comecei a pensar nos principais suspeitos da morte de meu irmão.

Não sei se era benéfico ou maléfico, mas eu tinha um nome em mente: Maicon Murdock, o homem em quem eu aposto todas as minhas fichas que tirou a vida de meus pais, contratou um desesperado qualquer para levar a culpa e subornou o juiz para ter total certeza de que seu nome não ficaria sequer com respingos de sujeira. Seguindo essa linha de raciocínio eu afirmo que o dinheiro estava longe de ser limpo.

As únicas informações que eu tinha sobre a morte de Nathaniel, era que quem o matou sabia o que estava fazendo; digitais não foram encontradas e além dos diversos hematomas, tudo indicava que a causa da morte foi o tiro limpo em sua barriga que resultou em uma hemorragia interna.

O céu começou a ser clareado pelo sol, que assim como eu não estava disposto a ser observado e se escondeu atrás das nuvens acinzentadas. Nos noticiários avisos de uma tempestade nada amigável para amanhã, eram transmitidos. Eu não pregava os olhos, talvez fosse o efeito do café, ou o resultado de pensamentos inquietos.

Apesar de toda dor e cansaço mental, uma euforia percorria meu corpo. Não conseguia ficar parado por muito tempo, eram incontáveis as vezes que senti o gosto metálico do sangue de tanto morder meus lábios em busca de um conforto.

Subi as escadas e entrei no meu quarto, ligando o computador e sentando na cadeira a sua frente. Sem me importar com as consequências, comecei a pesquisar e procurar o endereço de ip do Maicon. Não levou muito tempo, dado que no site de sua empresa "Angus" arquivos levavam a informações pessoais e logo acabei no e-mail do homem; Não me surpreendeu encontrar pastas e e-mails criptografados.

Tirei minhas meias e continuei o trabalho sujo. Agradeci mentalmente por ter estudado muito sobre ciência da computação, assim eu tinha certeza que não haveriam rastros para me levar a uma possível prisão.

Me provando o caráter do homem, achei uma conversa de Murdock com os "Salyrus" -um grupo de assaltantes da cidade-. Haveria um encontro no antigo galpão usado para abate de porcos, o local foi abandonado quando a empresa faliu por não ter atendido os padrões de higiene.

Na madrugada do outro dia, ele iria vender armas para os assaltantes; o que receberia em troca, infelizmente não consegui descobrir. Peguei algumas folhas de papel e tracei planos para chegar no local sem ser descoberto. Também rascunhei estratégias para prevenir que se eu seja pego e ninguém descubra o real culpado.

Minha ideia era simples: eu iria gravar a troca de modo que haveria uma conexão em tempo real com meu e-mail pessoal. Caso eu não tivesse acesso ao e-mail através do meu computador e cancelasse a gravação dentro de oito horas, a mesma seria compartilhada em redes sociais. Honestamente, sou uma figura um tanto quanto influente.

Se Maicon saísse primeiro, eu o seguiria com a moto que deveria ser estacionada uma rua atrás, ocasionaria uma batida para que ele saísse do carro e depois... bom, depois eu me vingaria. Correr até a moto não seria um grande obstáculo.

Se ele ficasse no local, eu o abordaria de surpresa para enfim decidir a sua sentença.

O que fizestes de mim?Onde histórias criam vida. Descubra agora