Choque contínuo

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Hoje à noite eu sairia pela garagem com minha Honda CBR1000 RR Fireblade, uma das motos que herdei do meu querido pai. O velho ostentava uma coleção invejável, resultado de um grande saldo bancário somado a um fanatismo por motos.

Noite passada, deitado em minha cama, cai em um sono profundo depois de ingerir algumas pílulas para insônia. Diferente do que pensei, não tive pesadelos e muito menos sonhos.

As horas passavam lentas diante de meus olhos e minha ansiedade para o que estava por vir aumentava. Essa era a primeira vez em que eu pensava se isso era realmente uma boa ideia, se eu não estava apenas tomando decisões recheadas de impulso e incredibilidade para a minha crise existencial. Talvez, para fugir da minha pobre mente conturbada eu só precisava de uma boa foda, quem sabe umas carreiras ou então uma boa e velha garrafa de whisky. Quer saber? Deixo aqui registrado: Foda-se.

O alarme tocando "No Good, Mr. Holden - Graveyard", simbolizava meu fracasso; se eu voltasse ou não para casa, teria fracassado como sempre. Desativei o aparelho e coloquei minha Fns Long slide no cos da calça, o contato da pistola gelada com minha pele não foi muito agradável.

Antes de sair olhei novamente para o pequeno Spike que latiu em estado de euforia. Me abaixei e afaguei as costas do cachorro para em seguida me levantar com a chave da moto em mão. Caminhei calmamente até a garagem e sai sem muita pressa pelo portão automático.

O caminho durou cerca de meia hora, o vento que passava entre as copas das árvores era o mesmo que me fazia tremer ligeiramente. Ao chegar na rua atrás do saguão, desliguei a moto e caminhei até as escadas de emergência do prédio em que a troca seria realizada; eu observaria tudo de cima.

Meu coração estava acelerado e apesar dos calafrios, uma fina camada de suor cobria meu corpo; as mãos tremulas e geladas revelavam o nervosismo. Meus pensamentos transcorriam entre as minhas futuras ações e o que meus pais pensariam disso; o sentimento de decepção para comigo mesmo me fez recuar alguns passos, porém, ao respirar fundo e semicerrar meus olhos, segui em frente e agarrei a escada cor de ferrugem subindo-a em seguida. Subi as escadas do meu império pessoal e aceitei meus demônios.

Abri cautelosamente a porta de ferro que rangeu em um grito agudo. Por precaução, em um movimento rápido me abaixei e contei dois minutos para levantar e me esconder atrás de uma pilastra, donde eu tinha um amplo campo de visão e continuava fora da vista de quem estava embaixo. Pude ouvir os passos pesados cerca 9 metros abaixo de mim. Chequei a câmera, constatando que estava com a carga de bateria completa e gravando a exatos 4 minutos.

Como eu já esperava, minha audição nada aguçada não foi capaz de compreender as frases ditas em baixo tom; captando apenas murmúrios. No entanto, eu facilmente reconheci a voz de Murdock, o que me atingiu como um soco. Pior do que qualquer queda por mim vivida, a dor de relembrar detalhadamente o passado queimou em mim, e agora abraçado aos meus pecados agi por impulso, encaixando a arma em minhas mãos.

Os segundos viravam minutos, eu estava em abstinência de algo nunca provado nessa intensidade. Eu ansiava por vingança, minha boca secou e em um pedido de socorro silencioso fechei meus olhos com força; algo já costumeiro para mim.

Imprudência a minha não ter prestado a atenção no momento em que os sussurros se foram e motores rugiram no escuro. Meu peito subia e descia como se eu tivesse corrido uma maratona. Olhei em volta e avistei o homem com seu caro e possivelmente novo, terno.

Eu e ele, sozinhos. Uma gota de alivio em meio ao mar de caos que eu estava caiu juntamente com a gota de suor que escorria de minha têmpora esquerda.

Enquanto o homem terminava de organizar a sua maleta, desci as escadas de aço que permaneciam no interior do saguão. Obviamente meu peso sobre os degraus fez barulho e Maicon moveu a cabeça assustado, averiguando o lugar. Pensei que teria um ataque quando finalmente nossos olhos se encontraram e mirei com a pistola em seu peito.

Com os olhos semicerrados Murdock disse em pura surpresa:

-A quanto tempo está ai? -Sua fala branda me trouxe grande angustia, a calmaria era deslumbrante. Com as sobrancelhas franzidas, rugas formaram-se em seu rosto.

-Você tirou tudo de mim. Vou fazê-lo sentir o que eu senti. - Minha voz tremula e carregada de ódio ecoou em alto tom. Com o dedo pesando no gatilho, caminhei em sua direção e fiquei cerca de 5 metros de distância do Maicon.

-Desculpe, filho. Diante tantos tiros, não me lembro do seu rosto assustado. -Ele se abaixou um pouco e encaixou a alça da mala em seus dedos curtos. Seus olhos agora me tinham como foco de sua atenção. -Ah, sim claro! Como pude me esquecer, você é um Skolemitís. Trágica família.

Seu modo de falar somado a ousadia, me fez pensar que eu era só uma criança idiota e triste por ter seus brinquedos tirados de si. Na teoria meu plano já estava quase completo, no entanto, minhas mãos cobertas pela luva, travaram; na pratica é sempre mais difícil.

Pude ver no olhar de Maicon que ele sentia pena de mim, isso foi o cumulo da minha sanidade. Mais rápido que um piscar de olhos, sem tempo de pensar corretamente, um tiro foi disparado. O som da bala veio junto com o bater das asas de todas as aves que estavam próximas e com o meu estado de choque.

Choque. Eu estava em estado de choque, agi por impulso e estraguei tudo como sempre. Por alguns segundo, imaginei o sangue jorrando e manchando o piso desgastado. Afinal, há quanto tempo eu já não estava em choque?

-Coloque a arma no chão e as mãos na cabeça! -Um dos seguranças de Murdock falou com a voz grave. Olhei em volta e vi três homens de terno escuro e armas bem mais potentes que a minha em mãos.

Minha arma estava limpa, sem resquícios de disparo, obviamente eu não apertei o gatilho. Um dos capangas de Murdock havia atirado para cima, em um pedido de rendição.

Maicon levantou a mão direita e eu pude ver um pequeno aparelho, aquilo havia sido acionado por ele enquanto agarrava a maleta, fazendo com que os seguranças soubessem que ele estava com problemas.

O medo se alastrou pelo meu corpo, minhas pernas vacilaram e senti o sangue sumir do meu rosto. Me questionei o que eu estaria fazendo agora se tivesse aceitado sair com a garota da padaria, ou se tivesse ido passear com o cachorro pela manhã, um pouco de sol poderia ter ajudado.

Bom, a vida é assim não é? Você se diverte com o colorido das bolhas de sabão e então elas explodem diante de seus olhos; isso arde.

Eu já tinha desistido dessa luta antes de entrar nela. Deixei a arma no chão e a escuridão que me cercou depois foi de certo modo agradável. Um filete de sangue escorria do corte em minha cabeça; um dos grandalhões havia me apagado com uma coronhada do lado direto da cabeça. Não pensar em nada, é de longe maravilhoso.

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Vish, que treta... Não pretendo dar nome ao protagonista e nem colocar características próprias, prefiro que vc tente se identificar com o personagem e por alguns segundos "pense" como ele

O que fizestes de mim?Onde histórias criam vida. Descubra agora