O pulo no tempo.

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O silêncio era tão perturbador que chegava a ser palpável, Miefa sentia-se traída pelo próprio sentimento e não havia nada para se defender na situação construída por aquele garoto, percebeu que foi ingênua ao achar que poderia se virar sozinha em um território desconhecido. Reconhecia claramente a cientista Helena Sylvan, a buscadora, claro que no momento ela não estava com os cabelos brancos característicos e nem expressões envelhecidas, mas aqueles olhos de cor púrpura não poderiam ser confundidos nem por mil anos de diferença, os mesmos olhos que percebeu imediatamente em Locke, só não esperava que a armadilha da situação seria criada por ele. A fada se sentia traída pela própria arrogância.
- Como você sabia que eu a reconheceria? Como tomou a decisão tão rápida de me trazer aqui para me questionar exatamente isso? É quase como se eu tivesse posta aqui por você, como em um jogo de xadrez.
- Vamos pular a parte da enrolação, você sabe exatamente do que eu sou capaz, sabia disso no exato momento em que viu meus olhos, eu só não esperava ter tanta sorte de encontrar uma sangue real Alterizan, se fosse uma simples guarda, eu teria cortado a sua garganta imediatamente. Disse Locke com um tom severo.
- Locke, isso são modos para se tratar uma visita? O que é isto? Exclamou Helena com uma ingenuidade estranha.

Miefa encarou Helena que parecia uns 50 anos mais jovem do que a doutora que ela conhecia, depois olhou para os olhos violetas furiosos de Locke e começou a falar.
- Então conseguiu deduzir que eu sou da família real dos Alterizan somente com o olhar? Estou impressionada. Então consegue saber que eu só estou aqui por vontade própria, não irei responder nada até você tirar as minhas dúvidas.

******

Dois dias se passaram desde que Miefa chegara na humilde casa em que moravam Locke (um garoto com o olhar ameaçador e inconfundível) e Helena (em uma versão mais jovem daquela que Miefa já conheceu).
Impedida de voltar para o seu reino pela teimosia do garoto magricela e pela própria curiosidade, a fada decidira observar os dois enquanto pensava em formas de tirar as informações que queria de Locke. acabou percebendo que Helena vagava pela casa com uma estranha atitude de despreocupação e alegria, por diversas vezes cantarolando umas canções familiares e outras, canções que a fada jamais ouvira, se portava de uma forma bem diferente da rígida e concentrada doutora que viveu durante anos no reino das fadas, mas tinha a certeza de que se tratava da mesma pessoa, reconheceria aqueles olhos em qualquer lugar.
- Olá querida, você aceita biscoitos com gotas de chocolate?
Disse Helena repentinamente, tirando Miefa de seus pensamentos.
- Eu jamais imaginei que você saberia fazer biscoitos, Doutora.
- Doutora? Eu? Haha que curioso, nunca pensei em ser doutora, mas com certeza eu seria cozinheira. Você sabia que para fazer biscoitos com gotas de chocolate é necessário a precisão de um cirurgião?
- Então você não faz ideia de quem eu seja? Perguntou Miefa apreensiva.
- Claro que sei, querida.
- Eu sabia! Então vam....
- Você é a namorada que meu filho trouxe para nos visitar, fico muito feliz pois Locke insiste demais em ser sozinho, estava começando a ficar preocupada que ele não fosse casar algum dia. Disse Helena com uma expressão feliz em seu rosto.
- Namorada? Filho? Você já percebeu que aparenta ter a mesma idade que aquele garoto? Como pode ser mãe dele? E por qual razão está agindo como se lhe faltasse um parafuso?
- Parafuso? Temos alguns na caixa de ferramentas, mas por que você precisaria de um agora? O biscoito vai esfriar.
Miefa viu a Doutora Helena ir em direção a bandeja de biscoitos em um andar saltitante e despreocupado, percebeu que algo de muito errado estava acontecendo e que não conseguiria informação alguma com aquela versão estranha da Doutora, se virou para ir em direção a porta e deu de cara com Locke, encostado na parede e olhando diretamente para ela.
- O que fez com a Doutora Helena? Por que ela está tão jovem e pensa ser sua mãe? Disse a fada tentando esconder a expressão de susto e surpresa.
Locke respondeu com seriedade.
- Ela não pensa ser minha mãe, ela é a minha mãe. O que eu quero saber é porque vocês fadas parecem conhecê-la tão bem? E porque fica repetindo essa besteira de doutora e versão mais jovem? Chegou a hora de respostas, fada.
Locke percebeu que Miefa estava o encarando de forma severa, buscando informações tanto quanto ele daquela situação em que o acaso havia os colocado.
- Pois bem, eu respondo as suas dúvidas, se você concordar em responder as minhas, que tal? Disse Miefa percebendo que não tinha outra opção.
- Pode começar dizendo o que estava fazendo no território humano? Perguntou Locke.
- Pois bem, garoto. Há alguns dias, foi detectado um vestígio de pulo no tempo naquela área, o setor de investigação dos Alterizan decidiu mandar uma equipe comigo no comando. Mas após dois dias de busca, nada foi encontrado e os demais decidiram voltar para o reino, por conta da apreensão que sentem ao ficar entre esses locais. Mas eu sabia que poderia encontrar algo interessante e decidi ficar um pouco mais, até que meu sensor detectou um objeto de metal e eu acabei confundindo e fiquei presa naquela armadilha diabólica.
Quando você apareceu com os seus olhos valiosos, logo percebi que era você o responsável pelo sinal de pulo no tempo, só não esperava que fosse um plano para me sequestrar e arrancar informações. Disse a fada com um certo veneno em sua voz.
- Vocês tem suas táticas de guerra, eu tenho as minhas. Não tenho culpa se as Fadas não tem capacidade de diferenciar objetos de metais importantes de armadilhas para animais.
- Bem a sua cara, um truque baixo feito por alguém do seu nível.
- Não enrole, fada. Como conhece a minha m... A Helena? Por que vocês insistem em chama-la de doutora? Há alguns meses atrás, um rapaz fada a viu quando colhíamos flores no campo, tive que desmaia-lo imediatamente, mas ele a chamou de doutora assim que a viu.
- Então a história que o Pan contou era verdade, todos achávamos que ele tinha dormido no meio campo e sonhado com isso.
Bem, sua querida mamãe é a doutora Helena Sylvan, uma buscadora que trabalhou para as fadas durante muitos anos, era conhecida como uma cientista sensacional e também como a última da espécie de buscadores. Você pode imaginar a minha surpresa quando eu vi em nosso radar rastreador um sinal de pulo no tempo, e minha surpresa maior ainda quando você apareceu diante de mim com esse olho inconfundível.
- A questão principal aqui é, a última vez que eu vi a doutora Helena foi em seu próprio funeral, com um aspecto bem envelhecido e esgotado há aproximadamente 7 anos atrás. Agora eu descubro que ela está viva, uns 60 anos mais jovem e que é mãe de um sequestrador esquisito da raça dos humanos, e que ainda por cima acha que eu sou a namorada dele. Disse a fada com um olhar debochado para Locke.
- Eu não namoraria você nem que você fosse uma questão de vida ou morte, mas isso explica algumas coisas. Respondeu Locke avidamente.
- Claro que isso não explica nada, como a doutora poderia ter um filho? Ela nunca comentou isso com ninguém, viveu os últimos anos de sua vida trabalhando até o esgotamento, ela não parece ser o tipo de pessoa que abandonaria alguém assim sem mais nem menos.
- Claro que ela faria isso, se fosse pra me proteger, chegou a minha vez de lhe contar algumas coisas, Fada. No dia em que aconteceu a grande guerra em que os Alterizans devastaram a população de buscadores, meus pais estavam no quartel general dos humanos, tentando criar soluções e formas para evitar um colapso da humanidade, eu era muito pequeno e não consigo lembrar exatamente tudo que me foi dito naquele dia, mas eu lembro com detalhes do momento em que meu pai ordenou que soldados levassem eu e a minha mãe para um lugar distante, todo o clima de apreensão e despedida daquele dia. A forma como minha mãe me abraçou para que eu não visse o quartel explodindo com o meu pai dentro, ela desesperada para me proteger e levar a máquina conosco para que não caísse em mãos fadas, então não venha me dizer que ela era uma cientista amiga da sua raça, pois eu vi com os meus próprios olhos ela me escondendo em um buraco embaixo do solo e sendo capturada pelos soldados Alterizan contra a vontade.
A maior razão para que ela nunca dissesse para o teu povo que tinha um filho, foi para salvar a vida dele, então parece com essa baboseira de doutora e esse papo furado de que ela trabalhou com vocês, pois ela foi uma escrava em suas mãos.
Locke olhava furiosamente para a fada, que tinha uma expressão de confusão e dúvida em seu rosto.
- A tua história nem sequer faz sentido!! A Guerra aconteceu há 63 anos atrás, se realmente você fosse filho da Helena, você deveria ser um idoso, não um garoto. Disse Miefa, questionando Locke.
- Vamos fada, use um pouco a sua vasta inteligência. Eu só estou aqui agora porque saltei no tempo com a máquina que meus pais criaram naquele maldito dia, depois que conseguiram capturar a minha mãe, eu passei mais uma semana vivendo e me escondendo em buracos no solo, comendo raízes, bebendo águas sujas e carregando aquele maldito aparelho nas costas. Até que soldados Alterizans chegaram perto demais e aquela máquina me salvou, me levando para um tempo distante.
- Você está dizendo que descobriu a viagem no tempo? Você? Mesmo a Doutora Helena que trabalhou durante meio século com tecnologia muito avançada, só conseguiu buscar dias aleatórios e trazer coisas do passado sem muita precisão. Como uma criança teria conseguido tamanha façanha?
- Isso não lhe diz respeito, se tem uma coisa que aprendi é que as fadas adoram me subestimar, sempre trataram os humanos como inferiores e matam sem pudor algum. Comentou Locke virando de costa para a fada.
- Estavam em guerra, milhares de fadas morreram também, a crueldade não é uma exclusividade da minha raça.
Falou a fada de forma irritada, enquanto se escorava na parede e tentava processar toda a informação que descobrira.
- Sim, mas até mesmo uma criança Alterizan já tem capacidade para lutar e exterminar, uma cruel desvantagem para qualquer criança humana, ou idoso.
- Você é teimoso feito uma porta, os fadas não feriram crianças.
- Não? Diga isso para aquele garoto da casa no lago que perdeu o braço e viu a fazenda dos seus pais explodir bem diante dos seus olhos, pessoas inocentes que foram exterminadas sem piedade, para alimentar uma busca egoísta e cruel da tua raça.
- Que garoto? Do que você está falando? Miefa olhou de forma curiosa e irritada para Locke.
- No dia em que a máquina me salvou, um garoto correu atrás de mim. Logo em seguida, uma tropa de fadas explodiu a fazenda em que ele vivia e atirou no garoto, eu consegui puxa-lo para dentro do buraco e levá-lo na viagem comigo, mas o disparo atingiu o braço dele e ele ficou seriamente ferido. Consegui dar um soro tranquilizante para que ele não sentisse tanta dor, o deixei em um hospital.
Naquela época, apenas quem tinha a visão de buscador conseguia ver as fadas, aquelas pessoas não tiveram nenhuma chance, assim como os meus pais. Por isso não venha me dizer que sua raça é justa e boazinha, pois eu sei que não, são cruéis e você já serviu ao seu propósito, pode ir embora daqui e trate de não aparecer no território humano novamente, não serei tão misericordioso na próxima vez. Disse Locke, saindo pela porta da casa e deixando Miefa sozinha na sala.

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⏰ Última atualização: Aug 06, 2019 ⏰

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