A Primeira fresta de luz

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ESTRELINHA

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ESTRELINHA.

O mundo se estilhaçou sob mim. Ou isso ou a rachadura em meus ossos havia finalmente se fragmentado em milhões de pedaços tão pequenos que eu jamais poderia ser capaz de juntá-los de novo.

Só havia uma pessoa que sabia desse apelido e ela estava morta há dez anos. O fato de Khalled ter trazido de volta um nome que significa tanta coisa, que carrega tanta coisa... Só de pensar na impossibilidade de tudo isso minha cabeça ameaça explodir.

— Por que você me trouxe aqui? — perguntei, tentando clarear e separar com cuidado todas as informações correndo loucamente dentro do meu cérebro.

— Eu não queria chamar a atenção de todos os guardas do andar ao sair correndo para a ala real do castelo com a princesa de Arasdil desmaiada em meus braços. Acho que seria um pouco... perturbador. E suspeito. Muito suspeito. — a sombra de um sorriso cai sobre seus lábios, sendo logo substituída por uma expressão séria e preocupação cintilando em seus olhos esmeralda. — Você... Como você está? Depois de tudo?

Demoro algum tempo para compreender aonde ele está querendo chegar, e quando finalmente entendo, uma onda de indignação me toma:

— Só pode ser brincadeira. — digo, me levantando da grande cama do quarto de hóspedes privilegiado que ele ocupa. — Você simplesmente não pode estar considerando que eu tenha acreditado nas estórias mirabolantes que aquela mulher nos contou.

Ele se levanta também.

— Você não escutou tudo, está bem? - diz, vindo em minha direção. - E eu sei que soa como se fosse loucura, mas de alguma forma parece certo para mim.

— Parece certo que você seja meu anjo da guarda ou coisa parecida? — quero dar risada. — Não seja patético, Khalled. Você não sabia da minha existência duas semanas atrás. Você não sabia que eu tinha uma irmã gêmea que foi estraçalhada por uma besta que ataca o lugar onde eu nasci todo primeiro e último dia de inverno. Você não sabia sobre eu querer morrer todos os anos quando chega meu aniversário e nem sobre eu me obrigar a ficar viva porque devo ao menos isso à minha irmã. Então não venha me dizer que algo parece certo, porque nada está certo quando se trata de mim. Se fosse inteligente, já teria deduzido isso.

Penso que consegui desarmar todo e qualquer argumento que ele pudesse levantar contra mim, mas não é isso o que acontece.

— Você tem razão. — o homem a minha frente balança a cabeça, concordando. — Eu não fazia a menor ideia e sinto muito, Esther, você não sabe o quanto eu sinto. Sinto muito por ter que imaginar você criança passando por toda essa dor e se fechando do mundo para que ele não tenha o poder de te machucar. Eu vejo como isso te afeta e me parte o coração vê-la chorar. Ouvir você pedindo ajuda enquanto dorme, se contorcendo em agonia... Eu não suporto isso. E de todas essas coisas, a única sobre a qual não sinto muito é que só uma maldita vez na vida eu vou me permitir ser egoísta e me recusar a deixar que você continue achando que merece sofrer assim, porque de todas as coisas, essa é a única que não posso suportar.

Fico em silêncio. Não sei o que dizer; não sei para onde olhar nem como respirar. O sentimento é de que tive meu coração arrancado por alguém que me conhece bem demais para ser somente um estranho e de que preciso recuperá-lo antes que seja tarde.

— Você não tem que suportar nada disso — eu solto, erguendo meus olhos para os dele em um ataque repentino de coragem. A intensidade que encontro ali me faz falhar por um segundo, mas não hesito. — Você não tem que ficar aqui. Eu ouvi ela dizer que você tem tanto dinheiro quanto se pode querer. Não há nada que o segure. Nada.

— Você sabe que não é assim. — Khalled diz, estendendo a mão para tocar meu braço.

Eu recuo. Ele parece magoado.

Isso é bom.

— É assim para mim. — respondo, erguendo o queixo. — Você só está aqui pelo dinheiro. Não sei o que planejava para conseguí-lo antes do acordo estúpido que fizemos, mas já não importa. Então. Só. Vá. Embora.

— Eu. Não. Vou. — ele me contradiz, pontuando cada palavra do mesmo modo que eu havia feito, o que me irrita profundamente. — Vou ficar aqui, você querendo ou não. — declarou, resoluto.

Por Deus, uma coroa em sua cabeça e eu estaria diante de um rei.

— Por quê? Por mim? quase demonstro o quão trêmula estou. — Você não está me ouvindo, seu imbecil? Eu quero que você dê o fora. Eu não preciso de você, nem quero você. Se ficar, não sei pelo que vai ser, mas com certeza não será por mim.

— Estou aqui por nós dois, então. — Khalled ergue a voz e eu me dou conta de que é a primeira vez que faz isso com tanta seriedade. — Negue. Eu vou deixar que você o faça durante um tempo. Negue o quanto quiser que não precisa da minha ajuda, que não gosta de mim, que não me suporta ou qualquer outra desculpa esfarrapada do seu arsenal. Eu vou esperá-la pacientemente. A espera valerá a pena. E você sabe que valerá.

Estou dando as costas a ele neste exato momento porque preciso chegar até a porta do quarto. É isso o que digo a mim mesma. O motivo é só que preciso sair, nada ligado ao fato de que eu não quero que ele veja meu rosto rubro de frustração, como uma criança que foi repreendida.

— Espere sentado. — sibilo, antes de bater a porta atrás de mim.

Poderia jurar que o ouvi murmurar "como quiser, estrelinha", antes de dar de cara com a última pessoa que desejaria ver nesse momento.

Há um sorrisinho entretido em seu rosto e eu sei que isso significa algo que não vai me agradar. Reprimo um xingamento, tentando não entrar em colapso.

— Ora, ora, se a nossa querida princesa já não achou um novo pretendente no qual se enroscar — diz.

Hoje definitivamente não é um bom dia.

Floresta Negra: União SombriaOnde histórias criam vida. Descubra agora