20 anos

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Não me lembro muito dela. Pra falar a verdade se não fosse as fotos e os vídeos, acho que não me lembraria de nada. Mas ainda acho que consigo me recordar de algumas canções cantadas e um colo quentinho, e de alguma maneira sempre que sinto o cheiro de baunilha me lembro do seu nome. No entanto essas memórias podem estar confundidas com outras coisas.
Mas o fato é que eu queria ter tido mais tempo com ela, queria que ela tivesse me ensinado a usar maquiagem, a não ser iludida por nenhum garoto, alguém que eu pudesse contar meus segredos desde pequena.
Não me leve a mal. Tenho amigas que fazem esse papel hoje em dia, mas foi um longo caminho até eu encontra - las

- A gente devia fazer um macarrão com queijo, o que acha? - Natty pergunta da sala.

Eu estou no meu quarto com a porta aberta, deitada na cama, com os pés apoiados na parede branca. Posso ouvir nítidamente quando Natty sugeri isso. Ela está tentando animar o clima da casa. Desejo boa sorte, pois eu sempre tentei, mas nesse dia só o que podemos fazer é existir. Normalmente, não ficávamos mais tão depressivos no dia 4 de Abril, criamos a mania de dar uma saída com a família ou inventar algo novo, qualquer coisa. Mas esse ano faz 20 anos. 20 anos que eu tinha uma irmã, 20 anos que fomos quebrados e reduzidos a 4. 20 anos que minha mãe ainda acorda de madrugada procurando alguém que sabe que não vai encontrar.
Eu tinha 4 anos, não sei dizer se sinto falta dela pela pouca convivência que tive ou por que minha família insiste em me comparar a ela e dizer o quanto ela era uma pessoa legal. Mas Bruno tinha 10 anos quando ela se foi, e posso ver nos seus olhos o quanto ainda sente falta dela e isso me faz questionar se o que eu sinto é saudade ou é nostalgia de um tempo que nem vivi direito.

- Thali, quer me ajudar? - Natty surge na porta do meu quarto com um sorriso esperançoso no rosto. Ela é noiva do Bruno há um ano, mas eles namoram a muito tempo, o que a torna, praticamente, um Meneghim, mesmo assim parece ficar meio deslocada nesse dia. Então, para ajuda-la, eu aceno e digo:

- Tudo bem, vamos fazer esse macarrão - E seu sorriso de esperançoso vai para aliviado de um segundo para o outro.

Me levanto da cama quase me arrastando. Olho o celular e vejo que a Gabie ainda não me respondeu. Ela disse que poderia vir, mas até agora não deu um sinal de vida.
Quando saio do quarto vejo o Bruno apoiado na janela com os fones de ouvidos tão altos que da pra ouvir a música que toca: "Have you ever see the Rain? ".
Penso em ir falar com ele, mas parece que ele está muito imerso na música, então não desvio do meu caminho e vou direto para a cozinha.

- Vou ferver a água - Digo querendo me livrar da tarefa mais difícil que é...

- Mas depois soca um alho para mim - Essa tarefa. Suspiro com minha má sorte.

Depois de um tempo em silêncio na cozinha e meus pais desistindo de ver televisão na sala e indo para o quarto, Natty cria coragem e começa a falar.

- Você se lembra dela? - Ela pergunta quase como um murmúrio.

- Não, muito - Digo, igualmente baixo - Lembro de poucas coisas, e a maior parte das memórias que eu tenho são as que eles me falaram.

Natty corta o tomate em pedaços tão pequenos que acho que pode cortar o dedo a qualquer momento.

- O Bruno não fala muito dela para mim - Ela diz e posso ver que se sente magoada por não conseguir fazer o meu irmão se abrir do jeito que precisa - O pouco que eu sei é por que sua mãe conta as vezes.


Minha mãe é a que mais fala dela, isso é fato. Foi a primeira filha, que ela teve ainda muito nova, ela falava de tudo para a minha mãe e minha com ela, era mais uma relação de amigas do que de mãe e filha. Pelo menos foi o que a própria deixou escapar em um jantar em que abusou do vinho. Na época me senti um pouco excluída, pois acho que não tenho a mesma relação com a minha mãe do jeito que a minha irmã tinha.

- Minha mãe sente muito falta dela - Eu digo enquanto seco a baba do alho da minha mão. - Na verdade, acho que ela é a que mais sente. Jenny era a primeira filha e a minha mãe contava com ela para muita coisa.

Natty termina de cortar o tomate e fica encarando por um tempo o prato com a fruta toda cortada. Até que se vira para mim e diz:

- Acha que seria muito diferente se ela estivesse viva?

Uma pista para o passadoWhere stories live. Discover now