DEPOIS - Miguel

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Tenho o prazer de marcar o dia de hoje como o primeiro em que, após tudo o que aconteceu, me senti confortável a falar com alguém sem ser da minha família mais próxima... Consegui sorrir e sentir-me bem perto de alguém. Mais um dia para assinalar.

                            * * *

Abro os olhos, levanto-me e preparo-me para mais um dia. Acordei com um incrível bom humor e com a sensação que algo vai mudar. Quando me olho ao espelho, para além das cicatrizes posso ver um sorriso natural que acordou comigo (devo ter tido um sonho bom para variar).

Chego à entrada escola e o grupo de alunos que costuma estar à entrada não se encontra lá, bem como a maior parte das pessoas. Aliás, não se vê quase ninguém em lado nenhum, a escola parece deserta! Apresso-me a entrar dentro do edifício e começo a ouvir gritos, palmas e variadíssimos sons alguns decibéis acima do aceitável. Quando subo as escadas vejo uma multidão a gritar por algo e não consigo entender o que é. Dou umas voltas e acabo por ser puxada, empurrada e esmagada por todas aquelas pessoas. Perco algures a minha única muleta, e vejo-me perdida no meio de todas aquelas figuras desconhecidas. Passados uns longos segundos sinto uma mão que me puxa. Não consigo ver quem é, apenas me concentro em aguentar algum tempo em pé sem o meu apoio.

Quando saio da multidão vejo que estou de mão dada a um rapaz. Apresso-me em largar a mão e por lhe agradecer, ao mesmo tempo que recomponho o meu cabelo e as minhas roupas.

Mesmo após o meu gesto brusco ele continua sorridente, e com a maior das calmas diz:

-De nada Mariana.

Olho para ele com um ar confuso tentado reconhece-lo, e ele ao entender que estou com algumas dúvidas, esclarece:

- Sou o Miguel - diz com um sorriso raspado na cara - somos da mesma turma.

Que vergonha! Como é que não o conheço? Sim, é verdade, não falo com ninguém na turma, mas durante este tempo já reparei em algumas pessoas, normalmente aquelas que participam mais nas aulas. Como é que nunca reparei naquele rapaz doce, com olhos cor de mel e simpático?

Como não sabia o que responder apenas sorri, e passado um segundo, o barulho infernal dos gritos e aplausos deu lugar ao som irritante da campainha que marcava o início do dia escolar.

- Sabes qual é a sala? - perguntou ele. - Acho que é a 212. - respondi, mas a minha curiosidade falou mais alto -Sabes o que se estava a passar para estarem ali todas aquelas pessoas?

- Houve "beef" - disse ele com a maior naturalidade do mundo

- "Beef"?

- Parece que há pessoas que não têm mais nada para fazer do que andar à luta. Mas normalmente é só conversa fiada.

- Quem é que estava à luta?

- Uns anormais que só pensam nisso - disse ele um pouco transtornado.

- Achas que se magoaram?

- Não sei, mas também não quero saber. "Quem vai à guerra... "

- "... Dá e leva."- completei eu. Ele sorriu.

Já estávamos quase a chegar à sala quando me lembrei que tinha perdido a minha muleta, e com toda a emoção ainda não a tinha procurado. O Miguel ofereceu-se logo para a procurar comigo, mas achei por bem rejeitar a sua ajuda pois dessa maneira ele ia chegar atrasado à aula. Agradeci-lhe e, coxeando, fui até ao local onde a tinha perdido. Como não sabia exatamente o local procurei pelas proximidades, e mesmo que a campainha já tivesse tocado, ainda se encontravam lá algumas pessoas, o que dificultou bastante a minha procura. Mesmo não tendo encontrado a muleta, decidi regressar à aula e pedi desculpas pelo meu atraso à professora. Quando me dirigia para o lugar não encontrei o Miguel em sítio algum. Estranhei. Olhei à minha volta mais duas vezes, após me sentar, para ter a certeza. Nem sinal dele.

Passados 20 minutos batem à porta, e a professora vai abrir. Esta apenas abre um pouco da porta, de modo a que não dê para ver quem se encontra do outro lado. Troca umas palavras rápidas com alguém e fecha a porta tão rápido como a abriu. "Será que é o Miguel? ", pensei eu. Mas após não encontrar resposta, tentei desvanecer esse pensamento, e voltei de novo aos meus problemas matemáticos, com a esperança de conseguir acabar o raciocínio que tinha deixado em aberto.

Chama-se DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora