Por que o Pip não tá no Céu?

1K 82 103
                                    

Pip morreu esmagado como um inseto.

Foi muito mais rápido que a mente do jovem britânico era capaz de processar e, apesar de ser culpa de um robô gigante, foi muito menos doloroso do que poderia ter sido em alguma outra situação, com uma morte diferente. Não que conhecesse alguma outra forma de morrer e depois disso também não teria a oportunidade. Quer dizer, a sua cabeça tinha sido esmagada antes de qualquer outra parte, perdeu a consciência bem antes do seu corpo virar aquela bagunça de carne, órgãos e ossos, que não lembrava nem de longe alguma coisa que, algum dia, já foi humana. O sangue estava por todo o asfalto. Como uma criança de doze anos de idade podia ter tanto sangue?

Não conseguiu encarar os seus restos por mais que cinco segundos sem ter vontade de vomitar, Deus, era grotesco demais. Pip olhou ao redor e a primeira estranheza que chamou sua atenção era que não haviam muitas cores, apenas preto, branco e cinza. Na realidade as casas, o asfalto e o céu – espera, não tinha realmente um céu, apenas uma imensidão vazia de branco acima de sua cabeça – não pareciam muito reais, mas ainda sim extremamente detalhistas, como desenhos feitos a lápis e, olhando com mais atenção, não havia preto ou cinza, apenas diversos tons de grafite diferenciando os detalhes de um desenho gigantes e, estranhamente, com três dimensões.

Olhou para as próprias mãos, estavam normais assim como a poça de sangue estática no chão desenhado. Havia algo errado, as sensações, pensou enquanto fechava as mãos em punhos, o cheiro, aquele cheiro horrível de sangue. Era tudo real demais, conflitante demais com a paisagem ao redor. E Pip não se sentia morto. Respirava e sentia seu coração bombeando sangue para o resto do corpo, nada disso era o que imaginou que estar morto fosse. Não podia ter morrido! Aquilo tudo não passava de um sonho, sim, apenas um sonho – ou pesadelo. – mais bizarro e real da sua vida.

Por que não havia acordado?

Respirou profundamente e deu um passo para trás, não escutou som algum, então outro enquanto encarava, pelo que achava ser a última vez, o monte de carne por breves instantes. Deu as costas para a cena grotesca e correu na direção contrária. Se aquilo era mesmo um sonho e Pip já sabia que estava dormindo, por que não havia acordado? De repente encheu-se de medo. E correu, o máximo que suas pernas magras aguentaram, correu sabe se lá quanto tempo para longe, mas nada mudou. A mesma rua, os mesmos desenhos, se repetiam de novo e de novo. Ao menos não viu, para nenhum dos dois lados, nem sinal de sangue.

Esse foi o seu momento de alívio, os segundos em que pode limpar o suor do rosto com o casaco vermelho e fechar os olhos, respirando de um jeito barulhento e profundo, cansado. Por um segundo até mesmo apoiou as mãos nos joelhos, pois suas pernas estavam doendo de um esforço que não era acostumado a fazer...

Mas endireitou a postura relaxada tão rápido quando adquiriu e, com a cabeça erguida, subitamente abriu os olhos pois sentiu que estava pisando em algo, algo a mais. Então, de repente, o cheiro de ferrugem subiu, muito mais intenso que antes. O medo voltou e Pip sentiu vontade de chorar, vontade que não conseguiu reprimir. Abaixou o rosto, devagar, e viu seus sapatos afundando no meio da mistura disforme de restos mortais – dos seus restos mortais. Era estranhamente molhado, parecia estar pisando em um monte de carne moída, so que haviam pedaços de osso no meio.

Encarando aquela cena com os olhos arregalados e as mãos tremendo, demorou longos cinco segundos para a ficha cair. O vomito quis subir pela garganta e o loiro só teve tempo para andar para trás, tropeçando nos próprios pés, cair no chão e se virar para o lado antes de colocar tudo do estômago para fora. Mais uma vez o seu corpo pareceu vivo demais para quem estava morto, o gosto do suco gástrico estava especialmente desagradável, ácido, mas essa não era nem de longe a maior preocupação de Pip.

Vida após a MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora