Sim, é sempre a mesma labuta. Experimento um, dois, três, quatro diferentes combinações de roupas posteriores e todas elas me frustrante ainda mais que a primeira. Cada uma delas uma personagem mais frustrada do que a outra, e a última, cá agora refletida no espelho, chega me dar pena. Coitada. Se soubesse tudo que penso e dis-penso sobre ela. "A quem estou tentando impressionar?"
Todas as vezes que preciso fazer qualquer coisa na rua é o mesmo conflito: eu odeio cada roupa que visto. Todo tecido em volta de mim parece indisposto, inquieto, incompleto. E no final tudo que resta é uma grande bagunça, sobre a cama, caída pelo chão do quarto e uma confusão, que depois, eu vou precisar arrumar.
Estou pensando em deixar de ser. Em renunciar a esse jogo exaustivo de tentativas. Deixar de significar algo, pra mim e pra quem quer que seja que eu já tenha significado alguma coisa.
Pedaços de pano, constante espetáculo de tentar e falhar. De fato, questiono-te, há valor nas tentativas? É demais vergonhoso permanecer no teatro de absurdos, persistindo na encenação obrigatória de normalidade e adequação? Temo que não. Temo que seja muito menos vergonhoso do que "despersonalizar-me", mas não me entenda mal, não falo divagações, de abandono de si. Falo de deixar a persona, trair a máscara. Seria decadente assumir-me eu? Menos exaustivo? Deixar a minha caricatura, por dia que seja. Escandalizaria?
Não... não me atreveria a tanto. Seria passar do ponto, queimar a ceia. As pessoas ririam de mim e seria cansativo lidar com o desprezo. Melhor é continuar lidando com a invisibilidade, de ser apenas alguém comum. Alguém que comum, que ainda sim, na sua normalidade ordinária de ser, ainda complica-se, ridiculamente, tentando deixar de ser.
Estou pensando de ser, mas depois de deixar terei que descobrir quem sou, na verdade, por debaixo das roupas. Terei de ser nua, e sei que dá trabalho... "Compensa?", perguntas-me e respondo-lhe: "sim." e me refaço, de novo. Não sei se em mim mesma, ou em mais uma personagem ordinária. Não me conheço e por isso divago tanto sobre mim: um dia quem sabe. Por hoje, vou de calça jeans, camiseta de gola alta, um cinto de couro falso e uma bolsa qualquer perdida entre as folhas.
"Ensaio sobre a cegueira", era o título daquele livro que nunca li, mas que imagino do que trata. Todos cegos e impactados. Estamos. Brilhos alheios nos cegam. Não! Meu próprio brilho é quem me cega. Mas, não se engane, não há nada de diamantes aqui, é pura lata. Alumínio rescindindo, relampejando pelo céu. E somos impedidos de enxergar nossas próprias condições, inumanas.