Isobel gritou.
Seu uivo, primitivo e feroz, penetrou o silêncio da noite.
Ela se esticou na cama, seu cabelo chicoteando no rosto. Virando e se contorcendo, ela finalmente se desvencilhou das mãos que agarravam pulsos. Puxando o corpo para trás, ela bateu na cabeceira da cama chocando o crânio no baú de madeira.
-... Isobel!
Seus olhos se abriram de repente. O quarto girou até entrar em foco. Ela piscou rápido na luz artificial que irradiava do lustre no teto, seu coração ribombando no peito, frenético como um pássaro capturado.
- Isobel, acorde. Acorde, querida.
Ela engasgou, o peito subindo e descendo, e engoliu o ar às goladas.
Alguém tocava seu rosto. Notou a mão grande e quente entre as suas. Concentrou a atenção no aro grosso de ouro que circundava um dedo dele e nos pelos finos e escuros que apareciam sob o punho de um robe familiar azul-marinho.
Isobel olhou para o rosto de seu pai. Ele a encarava com olhos atentos, procurando algo, suas sobrancelhas escuras se aproximando.
Ela desviou o olhar para a janela. Fechada. Contra o pano de fundo de neve e noite, as cortinas de renda estavam penduradas, imóveis.
Sentiu a mão acariciando seu rosto e se encolheu. Virou-se de volta para o pai, cujos olhos se empenhavam em manter contato com os dela.
- Isobel, olhe para mim. Você estava sonhando, filha. Sonhando.
Ela se ouviu gemer quando tentou levantar o tronco para sentar. Seu estomago vazio revirava, e ela engoliu num esforço de reprimir uma onda de náusea.
Seu pai a agarrou pelos ombros, e Isobel desabou em seus braços Ela apertou o rosto no pescoço dele e libertou um choro comprido e sufocante.
- Shh - ele a acalmou. Apenas um pesadelo. Só isso.
Sobre o ombro dele, Isobel percebeu a mãe, não muito longe, o rosto ansioso, gravado com linhas delicadas de preocupação. Ela se aproximou e sentou na cama ao lado deles, colocando uma palma fria na testa de Isobel. Foi quando ela viu Danny parado na porta.
Desalinhado e sonolento, ele vestia calças de moletom pretas fol-gadas. Sua barriga esticava a camiseta do Batman apertada demais enquanto seu cabelo escuro despontava em tufos em volta da cabeça. Ele lançou um severo olhar de soslaio pelo quarto.
- Credo - murmurou, virando lentamente o corpo num circulo, como se ainda esperando encontrar evidências da presença de um assassino com um machado. - Por acaso vocè estava tentando quebrar a barreira do som?
Isobel estava trêmula nos braços do pai enquanto a adrenalina dava as últimas voltas pelo seu corpo. Os dedos se moviam em espasmos e ela os enrolou na gola do robe do pai
- Está tudo bem - ele respondeu embalando-a nos braços, a voz firme, de comando, como se suas palavras tivessem o poder de tornar aquilo verdade. Ele acariciou as costas dela, e Isobel podia sentir sua mão encontrando os alfinetes na jaqueta de Varen.
Fingindo não notar o olhar cheio de significado compartilhado entre os pais, Isobel fechou os olhos e tentou diminuir o ritmo de sua respiração, trazer seu coração para uma velocidade normal e trazer a mente de volta a normalidade.
Enquanto o pai esfregava suas costas, a mãe alisava seu cabelo, dedos ágeis colocando mechas desgarradas atrás de sua orelha.
Toda a atenção fez Isobel se sentir pequena, tão indefesa, como se, de alguma forma, tivesse voltado a ter 5 anos.
A diferença é que agora seus pais não podiam dizer que seus pesadelos não eram reais.
Pois ela sabia que eram.Ninguém tocou no assunto do pesadelo na manha seguinte enquanto abriam os presentes. Nem mesmo Danny, quem Isobel pensou que seria primeiro a embarcar numa sabatina de perguntas, querendo saber sobre a quantidade de sangue e o número de corpos.
Talvez, Isobel pensou, sentando-se no sofá, enrolada no robe cor-de-rosa e calçada com as pantufas, ninguém estivesse dizendo nada por-que era Natal.
Por outro lado, talvez seus pais estivessem apenas ganhando tempo, esperando pelo momento certo de confrontá-la sobre a jaqueta de Varen e fazer o pronunciamento formal de sua decisão de mandá-la fazer terapia.
Quanto ao sonho propriamente dito, Isobel sabia que não podia chamá-lo assim. Sentia que era real. Tinha sido real. Agora se a visita de Pinfeathers tinha acontecido na vida real ou no mundo dos sonhos, entretanto, isso era outra história.
Mas, diferente do sonho com Varen, o pesadelo com Pinfeathers continuava fresco e vivo na memória, cada detalhe horrendo ainda claro, evidente. Um estremecimento lhe subiu pela espinha com a lembrança da boca do monstro pressionando a sua. E aquele sorriso. Aquele sorriso horrivel, irregular.
A visita do Noc a fazia se perguntar a respeito da sombra que tinha visto dentro de seu quarto no dia anterior. E depois no vão embaixo da porta do banheiro.
- Ei - Danny disse, chamando-a de onde estava sentado no chão ao lado da árvore de Natal, cercado por fitas enroladas multicoloridas e descartadas, e camadas de papel de presente vincadas em forma de caixas. - Faça cara de gente viva, astronauta.
Ele atirou alguma coisa na direção dela. Isobel se encolheu, pegando a caixinha em formato de tijolo logo antes que pudesse atingir seu nariz Coberta em papel de presente vermelho enrugado e com fita adesiva demais, o negócio parecia ter sido embrulhado por um bebê e com apenas uma das mãos.
Sentiu a caixa leve entre seus dedos, como se pudesse abri-la e encontrar dentro apenas camadas de jornal amassado. Isobel lançou um olhar a Danny, mas o menino já tinha voltado a saquear sua nova remessa de jogos de videogame lacrados e acessórios para o console. Atrás dele Uma História de Natal passava na TV, o volume baixo.
Do outro lado da sala, o pai de Isobel estava sentado com o olhar fixo na televisão, bolsas escuras sob os olhos. Um novo relógio esportivo prateado circundava um de seus pulsos, e ele estava vestindo o par de pantufas da Universidade de Kentucky que Danny havia lhe dado de presente.
Sentada ao lado do marido na namoradeira, sua mãe dava uma olhada numa caixa de romances de mistério. De vez em quando erguia a mão até a gola da blusa e passava os dedos sobre o novo colar.
Isobel olhou para o presente que tinha no colo. Com dedos cautelosos, ela começou a tirar a fita adesiva e abrir os cantos do papel de presente. Tirou o invólucro vermelho brilhante e revelou uma velha caixa de lenços preenchida com uma folha de papel de copiadora amassado. Isobel puxou o papel apenas para ouvir outra coisa fazendo barulho dentro da caixa. Sua atenção disparou, primeiro para a folha em suas mãos, onde notou algo escrito em azul desbotado em meio às dobra enrugadas. Ela abriu e leu as linhas da caligrafia desleixada de Danny.
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ENSHADOWED - O pesadelo das sombras (Livro 2 Trilogia Nevermore) - Kelly Creagh
Mistério / SuspenseVaren Nethers está preso num perigoso mundo dos sonhos: um reino traiçoeiro e desolado onde as histórias aterrorizantes de Edgar Allan Poe ganham vida. Isobel Lanley, atormentada por visões estranhas e perseguida por pesadelos criados por Varen.é a...