Conto 3 Sob encomenda

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Sabe ontem? Quando ontem não existia, quando aquilo de que me lembrava, não passava de ilusão, um presente, uma maldição. Ontem tudo estava aqui, mas nada aqui estava. Aqui, ali, acolá, tudo era hoje, e hoje não é mais o que nunca ontem foi.

Acordei de um sonho que não sonhei, abri a janela para uma luz que sempre existiu, que aquece o plasma de meu sangue, ferve a fibra do meu destino. Penso por pensar, pois não tenho sobre o que pensar, sabe, quando a luz emana da origem, nenhuma sombra me entretém, nenhuma noite me abraça. É uma vida que não morre, um corpo que não deita, um rio que não deságua no mar.

O dentro e o fora são o avesso da mesma coisa, quando encaro o meu reflexo, vejo o reflexo de quem me vê, e quem me vê, sou eu, apenas eu, somente um eu. Mas quem sou eu? Quando comecei a ser? Quanto tempo faz que deixei de ser quem eu nunca fui? Haja luz, haja dor, sinto que sentir é ressentir o que não sinto, o que não senti, quando nasceu o sentimento que borbulha e me impele pelo mundo?

O eco vem do vazio, onde a voz não alcança, e quem grita, grita em silêncio. É muito quente, muito quente, e é muito frio. De que adianta ser dono daquilo que não posso compartilhar, tudo é meu, e tudo o que me pertence, é o que me forma. Onde está a forma? Nem terra, nem ar. Quando o norte era sul e o sul estava no oeste, o leste norteou uma direção, uma ação na inércia da inação.

A resposta, o começo, o princípio, o fim. O que começou nunca terminou, nunca terminará, nunca começou, nunca começará, o que terminou nunca começou, nunca começará, nunca terminou. Floresce pelo infinito, pelo eterno e pelo atemporal. Espaço, direção, sentido, razão. Tudo desliza por entre os dedos.

Me dê um nome, qual o meu nome, qual o seu nome? Me de amor, qual o meu amor, qual o seu amor? Como pode amar aquilo que não é, aquilo que é ao não ser, e por não ser, pode ser aquilo que desejar, inclusive o ódio. Me odeie. Exista.

Quando não se tem uma origem, qualquer origem é uma origem, mesmo que ela não seja uma origem, se escolher que ela o é, ela o será. Escolha quem eu sou, escolha quem você é, escolha o que a escolha deve ser, escolha o ser. Me ame. Exista.

Resista, persista, pereça, desapareça.

Sabe amanhã? Quando amanhã não existia, quando aquilo de que me lembrava, não passava de ilusão, um presente, uma maldição. Amanhã tudo estava aqui, mas nada aqui estava. Aqui, ali, acolá, tudo era hoje, e hoje não é mais o que nunca amanhã foi. Onde estou?

Conto 3

Encomendado pela Maria

Tema proposto: A Cosmogênese

Conto 3 Sob encomendaWhere stories live. Discover now