quase como hibernar

58 1 0
                                    

Então era isso, depois de meses finalmente a tão esperada férias havia chegado, isso pra cerca de noventa e nove por cento dos integrantes de um dos terceiros anos mais amados que já passaram por aquela escola da Grande São Paulo, a Escola Estadual Professor Ferreira Antunes. Claro que esse zero virgula um por cento se referia à mim, e é claro que esses números estão errados, considerando os quarenta alunos da sala, minha respectiva porcentagem é de dois virgula cinco. Esse repúdio talvez seja pelo fato de eu não querer um mês pra ficar pensando em como dois anos e meio passaram rápido e que agora faltavam menos de seis meses pro fim disso tudo.

● ● ●

Em seu resumo foram longas, um tempo dedicado ao descanso, nada de viajar ou ir na casa dos amigos, nem festas, de vez em quando sábado de manhã ou quinta-feira à noite um futebol com os amigos mais próximos, mas nada de tão diferente, isso talvez por ter minha vida toda levado comigo o costume de "ver o mundo pela janela" — quem sabe por medo de revelar aos meus pais o meu outro lado, que se refletia em partes nos meus colegas da escola, minha única fonte de amigos —, o que me levava a não "sair pra ver pessoas", a não "deixar a mãe preocupada". Basicamente se não estivesse na escola, - sendo meu lado mais solto e talvez mais alegre - estava em casa - tentando ser um bom filho com vergonha da minha suposta felicidade.

● ● ●

Faltava um fim de semana pras aulas voltarem, era sábado de manhã, um dos poucos em que sai pro meu único evento social com aqueles amigos. Acho que me acostumei e aprendi a gostar de ficar quase todo o tempo na minha, pensando, processando erros, e imaginando o que ainda vai ser.
Acordei na aquele dia oito e trinta, isso pra estar no "campim di arei" - como a gente gostava de chamar - nove horas. Eu levava cerca de dês minutos daqui até lá, cinco correndo, só precisava de vinte pra levantar, escovar os dentes, lavar o rosto, colocar uma camiseta, um tênis e ir — pode parecer muito tempo pra pouca coisa, e é mesmo. E na minha opinião não tinha porque tomar um banho pra dali quinze minutos estar todo cheio de areia.
No caminho que era o mesmo da escola — só que pela metade — me pego lembrando de quando jogar bola ainda era um sonho profissional, sim, eu era mais um no incontável grupo de meninos que um dia já sonharam em ser jogador de futebol. Mas hoje em dia é só uma prática pra não ser chamado de sedentário mesmo, pra mim e muito provavelmente pro resto dos amigos do futebol - éramos normalmente de seis a dez por jogo, uns mais chorões, outros mais habilidosos, alguns preguiçosos e os de cabeça quente.
Não vem ao caso mas meu ego não me deixa guardar para mim tantas demonstrações de habilidade, considerando meus um metro e oitenta e cinco, toda minha massa muscular de quase oitenta quilos eu tinha uma certa vantagem no jogo de corpo e até na velocidade, ou seja, eu estava feliz e tinha jogado bem.
Isso até quase onze horas. De longe já dava pra perceber que era o Leonardo, um amigo nosso, chegando atrasado, uma boa, é sempre bom mais um pra dar time. Até que o seu lado chato começou a encher o saco.
Eu estava de goleiro a alguns minutos já que não tínhamos um fixo o jeito era revezar no gol. Isso enquanto o Sol de quase meio dia ardia o meu pescoço.
— Segura o cara invicto no gol — aproveitei pra me vangloriar.
— Aham, — começou o Leonardo com toda sua ironia e seu jeito de criança irritante, até baixinho ele é, um Kid perfeito — espera só um pouco ai.
Não demorou dois lances e ele soltou uma bomba contra o meu gol, a bola passou rente a trave pelo lado de fora, e por conta da rede ser mais vazada que mosquiteiro velho, a bola acabou por entrar no gol.
— Segura o artilheiro — insultou ele.
— Como assim? Não tá vendo que não foi gol?
— Sai fora, não tá aguentando já? — gritou ele já do outro lado, ainda comemorando com um sorriso de orelha a orelha.
Soltei no mínimo uns três ou quatro palavrões.
— Você é chato pra porra em, vem só pra atrapalhar, nem gol foi, eu vi ela passando do lado da trave.
Nessa hora nós dois já não estávamos mais brincado, muito pelo contrário.
— O que você tá falando? A gente vem aqui pra se divertir — nessa hora já parecia dois galos de briga.
— Então joga certo, fica ai de gracinha — agora era a mãe dele que eu estava agredindo.
— Cala sua boca.
Nessa hora começo a ir em direção a ele. Não sei como mas em vez de incentivar a briga o resto dos meninos resolveram me segurar, enquanto o Leonardo já tinha seu time fazendo o mesmo do outro lado.
— Sérgio, a gente tá se divertindo, para com isso piá - pediu um dos que tentavam me segurar, nem identifiquei quem era.
Pelo menos eficazes os esforços foram. Continuamos jogando mais um tempo enquanto me mantinha emburrado.

22.8 Dias Contados.Onde histórias criam vida. Descubra agora