fear

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medo
/ê/
substantivo masculino
1. estado afetivo suscitado pela consciência do perigo ou que, ao contrário, suscita essa consciência.

Quando criança, tinha muito medo de tudo, até mesmo da minha própria sombra. Tinha medo do barulho que vinha do telhado do meu quarto todas as noites (que mais tarde descobri ser apenas causado pela árvore do vizinho batendo no teto), da escuridão que se instalava na casa quando o sol se punha, de brócolis, de tempestades, de ser engolida pelo ralo da banheira enquanto tomava banho e, até mesmo, do gato preto da vizinhança que volta e meia aparecia na janela do quarto causando sustos que me faziam gritar pelos meus pais, "é só um gato, não vai te fazer mal"— era o que sempre diziam.
Mas, de todas as coisas que me amedrontavam, nada me apavorava mais do que à ideia de que algo poderia acontecer com meus pais enquanto estivessem fora. Sempre ouvia coisas do noticiário como: pessoas inocentes que levavam um tiro, sequestros, mortes durante um assalto, prédios que desabavam, acidentes automobilísticos e tudo de ruim que poderia acontecer com alguém. O que poderia me convencer de que nenhuma dessas coisas aconteceria com um deles?
Por isso, chorava todos os dias, odiava ficar em casa com a babá sabendo que meus pais estariam lá fora correndo todos os perigos possíveis. "Te vejo mais tarde, querida" e se não houvesse um mais tarde?

Por outro lado, nunca soube direito do que Max tinha medo, era certo que tinha medo de seu pai — não sabia na época — mas, parecia sempre tão corajosa e determinada que, me esquecia deste detalhe.

— Não gostei. — Max disse se espreguiçando sentada à minha frente. Estava mais frio do que ontem e a neve caía sem parar do lado de fora da janela. Ela usava um casaco grande e uma touca amarela, não trazia luvas e, por um momento, me perguntei se suas mãos estariam tão geladas quanto deduzi.

— Como não gostou? — pergunto indignada, como podia não gostar de um dos meus livros de poesia favoritos? Ela tomba a cabeça pro lado arqueando uma das sobrancelhas.

— Não era pra ser algo sobre bruxas? — se referia ao título peculiar "A bruxa não vai para a fogueira neste livro".

— Não exatamente mas...

— Prefiro algo que tenha emoção e aventura, não um livro chato de poesias. — disse simplesmente, como se não fosse grande coisa, mas pra mim era.

— Livro chato de poesias???? — perguntei incrédula — Não é um livro chato de poesias, é uma obra-prima que aborda diversos assuntos importantes!

— Que seja — pensou por alguns segundos e antes que eu pudesse contestar continuou, dizendo: — se eu escrevesse um livro, seria algo como uma história trágica que misturasse aventura e ação.

— Mas e o romance? Todos gostam de romance e toda história tem um pouco de romance.

— Romances são chatos.

— Você é que é chata! — ela riu parecendo não se importar. — Você leu "O morro dos ventos Uivantes", é um romance.

— É diferente. — respondeu dando um pequeno empurrão em meu braço.

Ficamos em silêncio por alguns minutos e Max pareceu me analisar por um tempo. Olhei pela janela e a neve caía ainda mais forte, pedi internamente que aquela neve toda cessasse antes da volta pra casa e senti um arrepio na espinha só de me imaginar lá fora no meio de toda aquela camada branca que cobria o pátio.

— Não me disse seu nome.

— Hm? — desviei o olhar da janela franzindo o cenho.

— Você não me disse seu nome. — realmente não tinha dito e nem sequer me dei conta.

É Jane. Jane Hopper.

— Bem, sou Maxine Mayfield, mas prefiro que me chamem de Max. — eu sei, disse apenas mentalmente, não queria que pensasse que era uma stalker ou algo do tipo — faz literatura com o Senhor Bryant, não é?

— Como sabe?

— Te vi algumas vezes pela ala C, tenho coral lá às sextas-feiras. — disse colocando uma mexa de cabelo atrás da orelha, permitindo-me uma visão melhor de seu rosto, não pude deixar de notar as sardas que tomavam conta dele como se tivessem sido pintadas de forma propositalmente perfeita, poderia contá-las por horas.

— Ah sim. — disse simplesmente e voltei a olhar pela janela, avistei uma senhora que caminhava pelas calçadas cobertas de neve e senti meu corpo estremecer.

Escuto o som de uma notificação que penso vir do meu celular, mas logo, a ruiva retira o telefone do bolso mudando completamente sua expressão ao ler o que quer que tenha recebido.

— Preciso ir. — pôs o celular de volta no bolso e começou a recolher suas coisas às pressas. Seu celular apita mais duas vezes e vejo em seu rosto uma expressão que nunca tinha visto antes: medo.

Tudo bem? — pergunto me levantando para ajudá-la recolhendo seus livros.

— Sim — responde me dando um sorriso fraco, o que não me convence, pois o medo ainda estava lá — só preciso... terminar uma tarefa para próxima aula.

O sinal toca e antes que consiga dizer qualquer outra coisa, Max dá às costas e atravessa a porta colocando a mochila nas costas de forma desajeitada. O medo em seus olhos me vem a mente e penso em ir atrás dela mas, ao invés disso, apenas recolho minhas coisas e deixo a biblioteca seguindo para a aula de matemática, convencendo-me de que, talvez seja apenas coisa da minha cabeça, talvez realmente tenha ido terminar a tarefa e, além do mais, se não for pela tarefa, não me contaria mesmo que insistisse, não queria aborrecê-la. Convencida, sigo pelo corredor vazio, certa de que, devido à meu número de atrasos, com certeza levaria uma advertência.

she | elmaxOnde histórias criam vida. Descubra agora