Minha consciência retornou lentamente enquanto meus olhos, ainda escondidos por trás das
pálpebras, notavam a claridade que inundava o local onde eu me encontrava.
A questão era: onde eu me encontrava?
Mexi o corpo minimamente, sentindo todos os músculos explodirem em pontos dolorosos espalhados pelos braços e pernas. Sentia algo puxar, se abrir. Dor, aguda e profunda. As memórias atravessaram minha mente como um flash.
"Então, eu perdi?"
Eu estava em uma luta, um confronto contra o maldito titã. Preparava-me para acertar um golpe certeiro quando tudo escureceu. A próxima coisa de que me lembro foi...dor. Tudo doía como se meu corpo tivesse sido esmagado. Eu pensei que fosse o meu fim e minha mente vagou na única direção possível naquele momento. Minha visão escureceu com a lembrança de uma imensidão verde.
Meus olhos se abriram, ou, pelo menos, um deles, o que não estava doendo como o inferno.
Estava em um quarto, possivelmente o meu próprio. Meu corpo vinha enrolado em cobertores brancos e quentes. A cama macia me aconchegava confortavelmente, se eu não me mexesse.
Com alguma dificuldade, tirei um dos braços debaixo do cobertor. Era o que mais doía, principalmente os dedos da mão. A pele seguia com enormes hematomas escuros e roxos,
do ombro até em baixo, onde uma mancha maior se escondia sobre os curativos da mão. Os dedos formigavam dolorosamente, enrolados em bandagens. Foi o momento em que eu percebi que dois deles não existiam mais. Marcas e mais marcas de cortes subiam pelo
antebraço e, a julgar pela dor intensa no lado direito do meu rosto, não era difícil imaginar o que aconteceu.
"Que idiota inútil"
Levantei o braço, repousando-o sobre a testa. Quis rir do meu infortúnio e teria rido, se meu peito não doesse tanto com a simples tarefa de respirar. Tentei arrastar o rosto para cobrir os olhos, mas desisti assim que a pressão, ainda que leve, fez meu olho direito explodir em dor.
Resolvi me levantar para testar a extensão de todas as feridas. Sentei-me na cama, usando apenas um dos braços como apoio e trazendo o outro para junto do peito. Nele também
havia faixas.
“No final, ainda estou aqui...inteiro”
As ataduras poderiam ajudar a juntar meus pedaços, fechavam as feridas e cobriam machucados, mas nada curaria o que vinha por dentro.
Uma angústia terrível por ter perdido, por ter apostado minha honra naquela luta, por ter
usado a força do Soldado Mais Forte da Humanidade e, sob esse título, perdido.
Comparado com a dor física que se dispersava pelo meu corpo ao mais simples movimento, aquilo era muito pior.
Voltei a me deitar, fitando o canto da parede, mas sem realmente enxergá-la.
Minha mente repassava as memórias desejando ter morrido. Devia ter terminado ali, morreria
em combate e era o máximo que eu poderia querer após ter perdido. Eu não conseguiria esquecer aquilo e não é como se as marcas em meu corpo fossem deixar eu me esquecer, de qualquer maneira.
-Capitão?
A voz capturou minha atenção no exato instante em que também fazia meu corpo tremer em ansiedade. Não queria encará-lo. Por mais que já não fôssemos nada um para o outro, eu
não conseguia.
O tom soara com um quê de preocupação, quase trêmula, destoando completamente com a
imagem do homem adulto no qual havia se tornado.
-Você está bem… ao que parece. - ele limpou a garganta antes de falar, como se forçasse a engolir todas as lágrimas que ameaçavam sair. Ah sim, eu sabia que ele choraria. Era o que sempre fazia quando se preocupava.
Fazia
-Sim – minha voz saiu, arranhando minha garganta e me forçando a tossir. Eu devia estar dormindo ha muito tempo, mas não saberia dizer o quanto – Ao que parece.
Não recebi a visita de sua voz novamente, o que me forçou a finalmente desviar o olhar para
a figura deplorável que me encarava com seus olhos vermelhos úmidos e olheiras visíveis sobre as orbes de safira que eu tanto adorava.
O porte ainda era imponente, ele havia crescido bastante, fato que até me irritava algumas vezes. Os fios castanhos vinham presos em um coque, deixando escapar apenas algumas mechas da franja que caíam-lhe pela testa.
O vi desviar o olhar e se aproximar, hesitante, sentando sobre a cama, próximo a mim.
-Hanji disse que você já pode tirar as bandagens – ele falou, por fim, estendendo a mão em
direção à minha, mesmo que ainda incerto de seus movimentos.
Estendi o braço para ele, a despeito da vontade gritante que eu tinha de me afastar, da vergonha que eu sentia por ter que me encontrar com ele, por ainda estar vivo.
Suas mãos grandes tomaram a minha com delicadeza, localizando logo o local onde a ponta da faixa estava presa e desenrolando com calma. Ele parecia ter prendido a respiração
enquanto desenfaixava.
No final, as bandagens estava limpas, sem sinal algum de sangue, o que só reforçava a minha ideia de que, talvez, tivesse ficado desacordado por um longo tempo.
Assim como eu havia imaginado, havia dois dedos a menos. No lugar onde deveriam estar o indicador e aquele que vem logo em seguida, havia apenas fios negros e marcas da sutura realizada para fechar o ferimento.
Era estranho que eu os sentisse doer? Já não estavam mais ali, porém incomodavam como se estivessem.
Coloquei novamente os olhos sobre ele. Os olhos estavam cheios d’água enquanto o moreno fazia um enorme esforço para não desabar. Suas mãos começaram a acariciar a minha com
cuidado e uma lágrima solitária desceu por seu rosto. Aquilo fez meu peito doer ainda mais.
Em soma com a vergonha e humilhação de ter perdido, vinha o peso de tê-lo feito chorar por
mim.
Senti meus olhos arderem quando ele se curvou ligeiramente, levando minha mão aos lábios. O calor da sua pele contra a minha a distribuir beijos me quebrava lentamente em
pedaços que eu duvidava que qualquer coisa pudesse juntar novamente algum dia.
Era uma felicidade manchada. Um prazer culposo que seria roubado de mim novamente como foi no dia em que ele me deixou. Lâminas afiadas que se cravariam no meu peito como
no dia em que ele se casou, me deixando para trás.
Eu queria puxar meu braço, me afastar. Meus olhos ardiam a cada selar de sua boca com minha pele. Sentia-me desabar.
Depois do que pareceram longas e torturantes horas, ele se afastou, pousando minha mão sobre as colchas brancas. Não devia tê-lo deixado se aproximar, mas, ao mesmo tempo, em
que minha mente gritava para que eu o mantivesse longe como fizemos desde que se casara, meu coração quebrado queria mais do que tudo sua presença.
Ele sentou-se mais próximo a mim, e com o mesmo cuidado de antes, levou a mão ao meu rosto. Com toda paciência e cuidado puxou os esparadrapos para tirar a gaze.
Só posso imaginar o que ele deve ter visto, pois seus olhos se abriram em surpresa enquanto mais lágrimas se derramavam por seu rosto.
-Levi… - ele sussurrou com a mesma voz trêmula que eu ouvi quando ele chegou.
Seu toque em meu rosto foi inversamente carinhoso e leve de modo que eu pouco sentia a
pele de seus dedos contra a minha. Doía quando o fazia, mas era uma dor que eu suportaria mil vezes mais apenas para poder sentir como era cuidadoso e carinhoso comigo.
Tudo o que eu perdi.
Senti como se meu coração parasse na garganta quando vi que se aproximava mais.
Segurou minha nuca com algum cuidado enquanto me puxava de leve para um beijo no rosto. Suspeitei naquele momento que não me importava mais se doeria ou não.
-Eren… - beijou mais uma vez fingindo não ouvir minha súplica sussurrada. E mais uma vez
e outra.
Descia pela minha bochecha deixando meu corpo em chamas à medida que se aproximava da minha boca. E eu queimava em culpa, dor e saudade. Era uma sensação horrível e contrastante com o quanto eu ansiava pelo que aconteceu a seguir.
Seus lábios se encostaram nos meus, tímidos e cuidadosos. Em condições normais teria reclamado qualquer coisa sobre meu hálito após dias apagado, mas não ali. Me surpreendia ter pensado naquilo com o misto de sentimentos que me tomava. Ele realmente fazia eu me sentir melhor, o que, no final, apenas me desesperava mais.
Sua boca não se moveu feroz como sempre fora, mas se mexia de leve e com cuidado, sem deixar de ser um beijo intenso, apesar daquilo. Gostaria de pensar que também era
apaixonado, mas ha muito tempo deixei de acreditar nisso.
Sua língua pediu passagem como mera formalidade, não me esperando permitir antes de me invadir vagarosamente, explorando minha boca, curiosa como se nunca tivéssemos feito aquilo antes. Só pude retribuir, perdido num mar de sensações extasiantes que sobrepunham toda a culpa que eu sentia. Por uns segundos me permitiria esquecer, me permitiria fingir que nada havia mudado.
Deus! O aroma dele era forte e o rodeava quase me drogando à medida que continuava a me beijar sem qualquer intenção de se afastar. Sua boca continuava a mesma, a sensação de beijá-lo era a mesma de anos atrás; simplesmente incrível.
Queria poder puxá-lo para mais perto, mas movimentar meu braço gerou apenas outra explosão de dor e um gemido agoniado que acabou por assustá-lo e fazê-lo se afastar.
A culpa caiu sobre mim como um titã de doze metros.
“O que eu estou fazendo?”
Me afastei quando ele se casou por escolha dele. Ele tinha uma escolha a fazer e não me escolheu. Me afastei por respeito a ele, à nova relação que iniciava, à ela; a nova e feliz
esposa dele. Que direito eu tinha de estragar tudo agora?
“Eu devia ter morrido”
Seus olhos encontraram os meus por um instante e ele os desviou novamente.
Mais uma aproximação que eu deveria ter impedido, mas não fui capaz. Seguiu-se outro beijo.
Minha visão embaçou de repente e eu devia ter emitido algum som de espanto junto ao modo como virava a cabeça para diferentes pontos do quarto, lutando para não perder a
consciência.
-Hanji disse que você ficaria acordado por apenas alguns minutos. - ele explicou, tocando de
leve minha cabeça e acariciando meu cabelo – O remédio para dor é bem forte.
Tentei focar minha visão em seus olhos. Uma imensidão verde que me hipnotizava sempre que olhava por tempo demais. Agora eram apenas dois borrões coloridos na face pálida dele.
Mais um beijo em meu rosto. Um que doeu mais do que todos os outros, porque eu sabia que seria o último.
-Para mim, você ainda é o mais forte, Levi.
Meu coração quebrado se partiu em pedaços ainda menores quando a voz que eu tanto ansiava ouvir terminou de dizer o que soava como uma despedida em conjunto com o beijo
que me dera.
Ele me empurrou com calma, me fazendo voltar a deitar e assim que minha cabeça encostou no travesseiro, eu apaguei novamente.Quando acordei, estava sozinho. Nem sinal dele ou do perfume que me rodeava.
Minha cabeça doía, confundindo meus sentidos e memórias, mas a dor continuava. Aquela que me culpava por querer que tudo tivesse sido diferente, por manter uma esperança, mesmo que ínfima, de que ele ainda me amava como disse tantas vezes que o fazia.
No final, eu tinha um arrependimento. Sempre ouvi dele a declaração quando estávamos
juntos, mas nunca fui capaz de dizer o mesmo.
"Vai ver é por isso que desistiu de mim."
Meu orgulho agora me arrastava para um inferno de dor que era uma junção impiedosa daquelas físicas e dos sentimentos que se negavam a acreditar no que havia acontecido da
última vez que acordei.
Eren, aqui? Não. Ele estava ocupado demais com a vida nova, com a esposa. Talvez até estivesse grávida como diziam os boatos.
Ele não me amava mais e eu compreendia isso. Não teríamos um futuro juntos, mesmo que
talvez eu tenha me forçado a acreditar naquilo.
“Devo ter batido muito forte com a cabeça”
E aquela era a conclusão que cheguei para toda a alucinação.
Eu só fui vítima da minha própria mente à beira da morte. Não seria a primeira vez que eu sonhava com aquilo tudo. Inúmeras foram as vezes que acordei no meio da noite com
lágrimas no rosto após me dar conta de que tudo não se passava de fruto da minha mente.
Afinal, aquele era o único mundo em que eu e Eren podíamos ficar juntos.
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Feridas - Ereri/Riren
RomanceTentamos nos convencer de que não era para ser. Tentamos nos convencer de que nosso amor era uma mentira. Quebramos a nós mesmos com distância e sorrisos falsos. No final estaríamos para sempre presos no laço infinito que nos une, mas sem nunca po...