Seul,Coréia do Sul
YoongiAs tão conhecidas folhas secas caiam das árvores e pintavam o chão das ruas de cores quentes. O constante céu cinza fazia um belo par com os tons mortos.
Talvez fosse o tempo, mas aquilo trouxera uma certa melancolia ao ar.
Talvez a dor da perda ainda fosse recente, mas tudo aquilo me levava a constantes memórias do nosso passado. Do seu sorriso doce, dos olhos castanhos que continham um brilho único e do dia em que prometemos viver juntos e criar o nosso próprio lugar no mundo.
Sonhos doces interferidos por uma noite de felicidade que teve como fim um acidente que a tirou de mim. Se eu pudesse regredir aquela noite, com a mais pura certeza, eu teria negado qualquer bebida alcoólica.
Se passou um mês, mas as lembranças da noite do acidente ainda eram bastante vivas em minha mente. De como em segundos eu fui tirado dos meus doces sonhos e fui lançado em um pesadelo.
Repetitivo, caótico e doloroso.
Abri a porta com um solavanco, logo calçando minha pantufas. Suspirei, cansado, o interior era simétrico e aconchegante; com tons pastéis tomando as paredes e típicos enfeites de maneki neko ocupavam o espaço. O balcão parecia intocado de tão limpo.
Tudo parecia muito calmo e sem vida.
E pensar que tudo que havíamos sonhado ali seria tão frágil e inalcançável agora. Doía saber que eu não seria recebido com seu abraço dócil após um longo dia de trabalho ou que eu nunca mais iria sentir o cheiro do seu Tteokbokki.
Com passos devagar prossegui pela casa, logo dei de cara com algo que eu não esperava. Posto sobre a mesa, estava um pequeno envelope com nossos nomes gravados em letras douradas e delicadas numa caligrafia perfeita.
Aquele era o nosso convite de casamento. O peguei e antes que eu percebesse as lágrimas grossas estavam rolando pelo meu rosto.
Uma dor toma meu peito. A quem eu estava querendo enganar, eu tinha perdido o amor da minha vida.
- Yoongi? – ouvi a voz de alguém atrás de mim, em um ato de desespero limpei minhas lágrimas nas mangas do suéter.
Essa voz, eu poderia a reconhecer em qualquer lugar. Kim Yang mi, a mãe dela estava parada me olhando enquanto segurava uma caixa com um laço prateado. Um sorriso dócil se formou em seus lábios
- Já se passou um mês desde a última vez... – falou, dando uma pausa enquanto olhava fundo em meus olhos.
Ela sabia o quanto eu estava me esforçando para não chorar... Eu não podia desabar, ao menos não na frente dela. Seu olhar percorreu por todo meu corpo ate chegar em minha mão, onde eu segurava o convite, e eu pude ver uma confusão de sentimentos passando por seu rosto. Porém, o que prevalecia era o de tristeza. Eu a entendia, pois assim como eu, ela nunca mais poderia escutar voz de sua filha, ou vê-la vestida de branco ou brincar com seus futuros netos.
Doía saber que Kyung-Soon não estava mais lá, para nós, que ela se fora e deixou apenas vestígios de sua existência.
A mais velha balançou a cabeça espantando qualquer tristeza e retornou com seu sorriso, só que diferente do anterior, como se estivesse se forçando a fazer tal ato.
- Eu queria limpar tudo antes de você retornar de Daegu, mas pelo visto eu esqueci algo. – falou ela, se referindo ao convite.
- Me desculpe incomodar, eu só queria pegar algumas coisas, mas já estou de saída. – falei totalmente aflito e sem pensar duas vezes corri até a porta, onde em total euforia calcei meus sapatos e peguei o casaco saindo o mais rápido possível dali. – Até mais, senhora Kim.
Eu não deveria ter voltado tão cedo, aquilo fora um erro, e dos grandes. Não deveria. Não quando ainda as pessoas estão se acostumando viver sem Kyung e com o meu retorno, tudo iria ser ainda mais dolorido.
- Espere!
Ela gritou logo atrás. Meu corpo se virou rápido e automaticamente, a vi eufórica segurando a mesma caixa de segundos atrás contra o peito.
- Leve-o com você... – disse a mulher estendendo a caixa e minha direção. – Você tem o direito de saber como ele seria antes de eu guardá-lo no fundo de um armário.
Com medo, peguei a caixa e logo um pequeno "blink" ecoou pelo corredor. Entrei no elevador ás pressas, e a ultima coisa que ouvi antes das portas se fecharem e um simples “até logo, meu querido”.
(...)
Abri a porta do carro e joguei a caixa no banco de trás de qualquer jeito. Foi então que eu desabei. Fechei os olhos com força com as várias lembranças inundaram minha mente.
Por que logo ela? Por que eu tinha que sofrer... Por que tudo tinha que ser tão difícil?
Será que sonhar estava fora dos meus padrões, dos planos do destino, assim com ser feliz?
Meus sentimentos e memórias deveriam ter sido enterrados junto com ela. Não poderia e nem conseguiria viver apenas de memórias, de migalhas como aquelas.
Seus olhos e seu rosto, assim como minhas lembranças construídas ao seu lado, eu poderia esquece-las? Se eu pudesse esquecer, eu poderia apenas regredir ao meus dias pacíficos antes mesmo de conhece-la.
Isso seria impossível.
Mesmo que meu coração mude, eu nunca a esqueceria e mesmo que todas vez que eu fechasse meus olhos, ver você partindo e me deixando, mesmo que todos me deixem e o único sentimento a ser expresso seja pena, eu nunca deixarei de te amar, por que pra mim você foi a única.
Eu sei que tudo irá ser mais difícil, porém, mesmo que um milhares de dias se passem eu ainda a amarei.
Quando simples adeus se tornou tão amargo?
Tudo se tornou assustador sem você, mais meus sentimentos se tornaram tão precisos e eu os guardarei somente para mim. E mesmo que eu seja incapaz de seguir sem você ao meu lado, eu irei suporta.
Por que estou chorando agora? Eu realmente tenho o direito de chorar por você?
Eu e somente eu fui o culpado por tamanha dor, pelo ato brutal e mesmo que eu tenha o direito de lembrar de você, um dia – mesmo que gradualmente – isso irá se tornar mais dolorido.
Mesmo impossibilitado de parar meu choro peguei meu celular e liguei pro número que estava no topo da lista.
- Hyung?
~●~
Kim Taehyung era de longe um dos caras mais bonitos que eu já tinha tido o prazer de conhecer. Com seu rosto perfeitamente desenhado e sua voz de "matar", todos caiam aos seus pés.
Sentado em um banco em uma pracinha enquanto mexia no celular, ele encantava a todos que passavam por perto, mesmo distraído. Me aproximei tocando seu ombro chamando seu atenção.
- Hyung? – perguntou me olhando. Logo o pequeno sorriso que tinha nos lábios morreu. Ele estava apavorado. Talvez pelo fato de meus olhos estarem inchados ou por não ser mais eu mesmo. – Hyung, há quanto tempo.
Ele fez a menção de se levantar, e antes que prosseguisse eu me sentei ao seu lado interferindo seu ato.
- Faz apenas um mês Taehyung. – respondi entediado.
Eu senti um pequeno desconforto da sua parte com minha resposta, mas o que eu poderia fazer? Provavelmente ele iria repetir as mesmas frases que todos faziam. Um “você está bem?” Ou “sinto muito” Palavras que vieram até de pessoas que eu sequer conhecia.
- E-eu sinto mui...
- Não termine essa frase Tae. – o cortei olhando fundo em seus olhos. Uma pequena tensão no ar continua, então prossegui. – Eu não mereço sua pena e nem sua misericórdia. Eu causei isso, e a única coisa que me resta é aguentar as consequências.
- Você não é o culpado Yoongi Hyung, todos nós cometemos erros. Somos influenciados. E naquele acidente... – Taehyung pegou minha mão. – Mesmo você negando foi quem te obrigou a beber e...
- Por favor, apenas pare de tentar achar um culpado Tae. Já não é obvio que tudo isso é culpa minha? Então por favor não se culpe.
Ele limpou os olhos marejados com o dorso da mão.
- Sabe, me sinto preso em uma sitcom dos anos 90, com pessoas com frases prontas e coisas repetitivas. É sufocante. Eu não aguento mais, todos ao meu redor sempre me direcionando suas falsas condolências quando realmente não se importam, então por favor... – suspirei. – Seja o primeiro a me tratar como eu realmente mereço. Me trate como Min Yoongi e não como um pobre coitado.
Taehyung me olhou balançando a cabeça, eu vi a trilha de lágrimas grossas banhando o seu rosto e engoli em seco. Aquilo me deixou mau, Taehyung era uns dos meus únicos amigos, me doía vê-lo naquele estado se culpando por algo que não causou.
- Ok ok, eu vou parar. – disse o loiro tirando um pequeno lenço do bolso e limpando suas lágrimas. – Então errr, que tal tomarmos algo? – perguntou sorrindo e eu incapaz de negar, apenas balancei a cabeça concordando.
(...)
O cheiro de café recém feito banhava a pequena cafeteria com um aroma gostoso. Eu me lembrei naquele instante o quanto amava café e há quanto tempo – para ser exato desde a morte de Kyung – eu não colocava uma gota em minha boca. Apenas álcool e nicotina.
Várias mesas estavam ocupadas por pessoas felizes procurando um jeito de se aquecer. Outono com certeza era a melhor época do ano pra se conhecer novas pessoas e esquecer tragédias.
- Vamos sentar ali. – falou Taehyung se direcionando a uma mesa perto vidraça que dava de frente para o parque. Não entendi muito bem a insistência dele em querer ir até ali já que o mesmo tomava apenas chá e achocolatado.
Enquanto me direcionava a uma das poucas mesas que estava desocupada, olhares de pessoas desconhecidas eram direcionados a mim.
E o de todos eram iguais.
Pena pelo meu estado deplorável. Não os culpo, eu também teria dó de um cara completamente acabado após um longo mês de sofrimento.
Ele olhou para mim e soltou um sorriso enquanto batia palmas, as vezes eu esqueço o quão infantil ele conseguia ser. Me sentei na cadeira a sua frente e ele sorriu pegando o cardápio.
- Talvez eu deixei Seul de vez Tae... – disse mais alto do que deveria, entre os devaneios – Eu quero volta para Daegu e talvez reabrir escritório do meu pai.
Ele me encarou sem soltar uma só palavra, apenas concordou e voltou seus olhos ao cardápio. E de pouco em pouco fui me perdendo em pensamento rasos, como a cor que iria pintar o escritório ou até mesmo se colocaria algum makeni neko. Meus pensamentos que até então eram rasos foram interferidos por um toque baixo e infantil.
Era o celular do Taehyung.
Ele atendeu fechando o sorriso em seguida revirando os olhos e com completo tédio ele desligou o celular e me olhou sem jeito.
- Eu seria um péssimo amigo se te abandonasse aqui, não é? – perguntou mais em uma afirmação. – Meu chefe me ligou exigindo minha presença em uma reunião de emergência. – Completou olhando pra qualquer outro lugar que não fosse meus olhos.
- Tudo bem, eu sei o quanto seu trabalho e importante afinal, não são muitas as pessoas que conseguem trabalhar em umas das melhores empresa de publicidade da Coréia. – sorri. – Não tem problema.
- Ah! Obrigado por entender Hyung. Vou lhe ver assim que terminar minha reunião.
Antes mesmo que eu pudesse continuar com qualquer outra palavra, ele saiu desesperado dali.
Com sua ida voltei aos meus pensamentos sem nexo algum. Minutos se passam até que eu senti um pequeno toque em meu braço. Eu virei de repente encontrando o responsável pelo toque.
Um garoto de olhos brilhantes e sorriso no rosto me olhou enquanto segurava um pequeno bloquinho e uma caneta.
- Errr... Qual seu pedido? – perguntou.
Tinha algo diferente em sua voz... Talvez fosse felicidade, era o que exalava dele. Olhando fundo em seus olhos senti como se estivesse mergulhando em um mar onde eu me afogaria, me senti instantaneamente preso neles. Era como se seu olhar pudesse ver dentro da minha alma. Naquele exato momento, eu me senti transparente diante daquele garoto.
- Ah claro, caso ainda não tenha decidido, eu posso voltar depois. – seu sorriso expandiu ainda mais.
- Um café simples... Sim, é isso, apenas um café simples. – Respondi rapidamente em um ato de total desespero, como se uma pequena parte minha quisesse mantê-lo ali.
Ele sorriu novamente e apenas balançou a cabeça se retirando.
Por que com um simples sorriso ele pode me deixara tão atordoado? Por que eu senti como se eu conhecesse aquele sorriso?
E por que dentre todos ali, ele foi o único que não sentiu pena de mim ou me olhou com indiferença?
Minutos após o meu pedido, o bonito rapaz novamente apareceu segurando uma xícara colocando-a em minha frente.
- Agradeço por esperar. – disse sorrindo novamente.
Eu o analisei.
A pele era branca e os olhos escuros, com cabelo castanho. Um perfeito garoto de Seul. Após alguns segundos ele foi se retirando; algo dentro de mim gritou para mantê-lo ali comigo, eu queria ver aquele sorriso tão lindo e contagiante, não pelo fato de ter ficado encantado e sim por que de algum modo aquilo me aqueceu.
Se amor á primeira vista realmente existia, aquilo havia acabado de me acontecer.
Antes mesmo de tocá-lo, ele se virou rapidamente de um jeito desajeitado como se tivesse lido minha mente no exato momento.
- Pode me chamar de Hoseok, Jung Hoseok.
(...)
O outono se passou e o inverno chegou denso e sombrio. Havia se tornado cada vez mais difícil deixar Seul.
Minha vida estava voltando ao normal ao poucos e dia após dia retornando à aquela cafeteria com a desculpa de amar café, mas era apenas para vê-lo.
A cada dia que se passava Jung Hoseok me aquecia com seu sorriso, como se o vazio deixado por Kyung estivesse se preenchendo gradualmente.
Parei de digitar a mensagem por um minuto e olhei para o porta retrato posto sobre minha mesa o analisando. Suspirei frustrado e olhei para o sorriso doce de Kyung na foto.
- Eu não sabia que isso poderia acontecer tão rápido, querida. – disse num sussurro como se ela ainda pudesse me ouvir. – É claro, o jeito que eu te amo nunca vai mudar. As lembranças ainda são muito fortes. Eu sei. Um dia você não irá passar de um borrão nas lembranças de alguns e outros nem lembrarão qual seu nome, mas eu vou mantê-la viva dentro do meu coração, Kyung. Tenha certeza, eu não irei esquecer de nada. – uma pausa. –Eu sei que fui o único culpado por sua morte, isso é algo que eu carregarei comigo para sempre... Mas só talvez, eu poderia me agarra a um novo sorriso?
Um sorriso involuntário ao me lembrar de cada segundo ao lado de Hoseok. Os dias em que rimos juntos. Ou as vezes em que ele tocava sem querer em minha mão e aquilo causava uma energia poderosa em mim. Algo que eu não sabia explicar mas me deixava tão feliz que eu esquecia qualquer momento ruim vivido até ali.
- Eu pude sonhar com um lugar que está longe de mim é como se eu tivesse voltado ao colegial e meus pesadelos tivesse ficado na noite passada. Eu quero tentar chegar o mais perto o possível, quero me agarrar ao único que não teve pena de mim, ao único que que foi capaz de trazer brilho para a minha vida, a pessoa que pôde ver através de minha alma.
Peguei novamente meu celular, abrindo uma caixa de mensagem onde estava o contato de Hoseok. Digitei o texto sem pensar nas consequências daquele ato. Eu só precisava vê-lo, senti-lo como eu realmente queria. Eu só precisava dele.
- Kyung, seria errado eu amar Jung Hoseok?
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Sunshine
FanficVocê nunca se sabe o que esperar do destino. Qual seus planos ou ideias, qual seus rodeios ou desfechos. Yoongi jamais imaginaria que um acidente - que ele intitulava ser sua culpa - traria para si algo tão grandioso. O verdadeiro amor. Dias sombrio...