Vá pela luz que na sombra o Diabo carrega.

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Funerais me perturbam.

Claro, tinha perdido meus pais aos doze anos e isso era desculpa mais que suficiente para que eu detestasse qualquer coisa relacionada a morte. E eu até podia mentir para os outros mas para mim mesmo era impossível.

Antes mesmo da morte dos meus pais eu detestava ir a velórios. Sempre passava mal e me sentia fraco.

Uma vez, quando uma das minhas tias faleceu, fomos até Connecticut prestar condolências e nos despedir dela. Eu passei mal o funeral inteiro e meu pais tiveram que voltar correndo porque fiquei quase todos os dias com 39 graus de febre. A sensação de estar diante de um caixão era terrível, como se ele e a pessoa que carregava em seu interior estivessem arrancando toda minha força vital.

Agora, com quase dezoito anos, parado diante do caixão de uma colega de classe que todos detestavam, podia ser sincero e dizer que as coisas não haviam mudado muito. Já tinha colocado todo meu café da manhã para fora e apertava a caixinha de veludo no bolso do casaco com mais força do que o necessário.

A garota que havia sido uma "Orgulhosa Estudante da Aberdeen High" enfim perdeu em sua luta contra o câncer e por mais cruel que isso soe, eu não tinha o mínimo interesse na garota, ou em seu câncer.

Pelo menos não quando havia sido intimado a ir para a escola em um sábado para prestar homenagem a uma pessoa que não conhecia e ainda por cima aguentar as encaradas estranhas de Jimin.

Eu sabia que estava sendo egoísta e de quebra um filho da puta, mas realmente não queria ver o Park naquele momento e a única coisa que tinha entre mim e a saída era uma Margot sonolenta em meu ombro e Sra. Holiday, que só me deixaria sair dali caso o apocalipse acontecesse naquele exato momento.

- Pai... Eu já disse que 'tô morrendo de dó da menina, mas eu nem conheço ela. Funerais não deveriam ser momentos privados entre o falecido e a família?

Nem sequer precisava virar para trás para saber que a voz vinha de Kim Taehyung, um garoto da minha sala que aparece na escola uma vez por ano, quando seu pai está sóbrio o suficiente para lembrar que tem um filho.

Seu cabelo está em um tom rosa pastel que só não chamava mais atenção que sua voz alta ecoando por todo o ambiente. Taehyung tinha aquela coisa de chamar atenção por onde andava, em parte, era uma coisa natural mas eu sabia que sua voz não era tão alta assim.

O Kim era uma criança criada no silêncio, a necessidade de sons lhe irritava, então ele gritava.

Eu o entendia perfeitamente.

Nossos olhos se encontram e como sempre, o contato dura pouco. Os olhos do garoto sempre pareciam refletir toda a tristeza que compartilhavamos e eu detestava isso.

Aproveitei que Margot parecia tentar ficar mais acordada e perguntei entre sussurros se queria que eu buscasse café para ela, sua resposta foi abafada pelo tecido da minha camiseta mas assim que a garota retirou o rosto do meu ombro entendi que tinha sido positiva.

- Com bastante creme... E cookies.

Sorri, bagunçando seu cabelo e indo até a saída, passando por Jimin e seu grupinho de idiotas que pareciam carregar uma cruz nas costas, ganhei um sorriso fraco do outro e novamente a sensação esquisita de estar diante de uma pessoa diferente me abateu mas dessa vez escolhi ignora-lá, assim como seus olhos tristes.

...

A cafeteria da escola estava cheia de professores e alunos agitados demais para um funeral, todos com copos de café maiores do que o Ministério da Saúde recomendaria.

Assim que minha vez na fila chega, preciso jogar um dos canudos em Archie já que o outro parece finalmente ter desistido de exercer a medíocre função de atendente de cafeteria de um colégio merda que o próprio devia ter passado anos detestando.

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