Tertúlia

Capítulo 1: Mariejois, a cidade da maresia

Havia um amontoado barulhento de pessoas do lado de fora do vagão, clamando e se desesperando em busca de uma visão de seus ídolos, os fantásticos heróis de guilda. Gritavam, pediam por favores e tentavam se destacar naquela confusão, muitos entrando em discussões e alguns quase caindo da plataforma no processo. A algazarra não parecia ter fim, todos ainda incrédulos pela presença de uma guilda como a Estrela Radiante na esquecida cidade de Mariejois.

Dentro do vagão, contudo, as vozes eram abafadas. Em uma sala ampla, com paredes de madeira nobre absorvendo tanto a luz da janela quanto a maresia habitual do lado de fora, uma garota dormia. Sorria em seu silêncio, uma jovem do alto de seus vinte e um anos, a pele negra brilhante no corpo um tanto gordinho. Trajava um vestido branco de alças finas, complementado com pulseiras verdes e uma faixa de tricô da mesma cor no cabelo curto, crespo e escuro.

Bocejou, e lá dentro clamaram por um nome: Nina Denault. Chamaram mais algumas vezes enquanto algumas pessoas passavam pelo aposento, muitas olhando para a garota que descansava.

Foi apenas depois da quarta chamada que ela arregalou os olhos castanhos.

***

— Desejo entrar na Estrela Radiante pela glória — disse o primeiro humano, uma espada enorme presa nas costas musculosas.

— Quero entrar nessa guilda para proteger as pessoas — disse uma segunda elfa, os longos cabelos loiros descendo pelo corpo esbelto.

— Anseio apenas por vingança — disse um terceiro, envolto por um traje negro que ocultava sua identidade.

O entrevistador acenava a cabeça, fazendo anotações em seus pergaminhos amarelados. Várias pessoas haviam passado por sua sala naquele dia, um apertado quarto de madeira escura, decorado com quadros soturnos e uma tapeçaria verde atrás do sujeito. Ele era agora o único ocupante, e passava os olhos por suas anotações enquanto conversava consigo mesmo. — Foi um bom dia. Vários candidatos, vai ser difícil escolher apenas dois nesse meio. — Coçou a barba, até que notou um papel intocado no fim da pilha. — Essa aqui ainda não veio, não foi? É... senhorita...

— Nina Denault! — A porta foi arrombada, assustando o entrevistador e revelando uma garota de vestido branco. A recém-chegada tinha o corpo bem reto e procurava esconder que arfava, piscando para afastar o sono. — Nina... Denault... cheguei.

— Ah. Senhorita Denault! — Ele puxou a folha dela e ofereceu um sorriso. — Fico feliz que tenha aparecido, achei que tinha ido embora.

— Não, não, eu... — Ela sentiu vontade de vomitar, o coração querendo abrir caminho para fora do peito. — Sem chance de desistir. Tenho... tenho até um discurso..

— Descanse, por favor. Não precisa se preocupar, prosseguiremos normalmente com sua entrevista. — Ele fez uma pequena reverência, convidando-a a se sentar na cadeira à sua frente. — Seja bem-vinda à Estrela Radiante. É um prazer contar com sua candidatura.

Nina fechou bem os olhos e aceitou o assento oferecido. — Obrigada.

— Agora... já bebeu o frasco que te deram...?

— Ah, sim. — Ela tirou o recipiente do bolso. — Sim, sim.

— Certo! — O homem voltou a sorrir, batendo a pilha de pergaminhos na mesa. — Bem, se quiser, já podemos começar a entrevista. Nossa agenda está um pouco apertada hoje, e queria encerrar com essa etapa o mais cedo possível. Podemos começar?

A garota inspirou fundo, recobrando o fôlego. Fez que sim com a cabeça.

— Muito bem, então... — O outro aprumou a postura. — A primeira pergunta que fazemos aqui na Estrela Radiante é bastante simples. Qual seria seu motivo para procurar entrada em uma guilda? — Ele largou os papéis e juntou as mãos, arrastando a cadeira acolchoada para frente. — É um trabalho perigoso, sabe. Atravessamos os territórios da Aliança pra realizar diversas tarefas para os necessitados, de proteção contra feras, ataques contra bandidos, até resgate de sequestrados. Infelizmente, muitos de nós... bem, não posso ter meias-palavras quanto a isso, acabam morrendo no caminho. É uma vida difícil e arriscada. Portanto, claro, costumamos começar a entrevista querendo saber o motivo para se arriscarem assim, compreende?