Capítulo UM

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Há muitos anos atrás, existiu um reino encravado em terras distantes, comandado por uma rainha altiva de cabelos brancos. A rainha Miranda era herdeira de uma longa linhagem de governantes e seu humor combinava mais com o inverno, gélido e carrancudo. No verão, aquelas terras prósperas eram floridas e ensolaradas. Ela comandava aquele reino há mais de 10 anos, já que agora havia alcançado os cinquenta anos. Era dona de si e tão poderosa que nunca precisou dar explicações sobre suas escolhas ou modo de agir, sendo assim desde criança.

"Meu senhor, não acha que é perigoso nossa filha tão pequena cavalgando desse jeito?", a princesa Hannah perguntou com apreensão para o rei, ao ver a criança miúda de oito anos e com os cabelos loiros voando enquanto pulava por um obstáculo em seu cavalo.

O rei abraçou a esposa que tanto amava e disse:

"Nossa filha vai ser uma rainha, ela vai comandar todas essas terras quando chegar o tempo. Ela tem a vontade de aprender e nasceu com a coragem para cumprir seu destino. Não se preocupe meu amor."

A futura rainha não só cavalgava, como se tornou exímia esgrimista. Nos jogos de verão ela conseguia vencer até os mais experientes cavaleiros lutando com a espada. Além das aptidões físicas, a jovem princesa também adorava ler e podia passar um dia inteiro dentro da grande biblioteca do palácio.

Quando adulta e depois de viajar pelo mundo, a rainha se casou com um duque, que era o pai de suas duas filhas, Caroline e Cassidy. Por um capricho do destino, ela havia gerado duas meninas, por isso, a sucessão ainda ficaria alguns anos nas mãos de mulheres. O duque Stelan era muito religioso e acabou indo lutar em terras estrangeiras em nome da religião. Miranda, que como seu pai não acreditava em religião alguma e mantinha seu governo completamente afastado de qualquer doutrina, ainda tentou argumentar com o marido para que ele não fosse lutar naquela guerra santa, já que suas filhas mal tinham completado dois anos de idade. Se sentindo inútil e contrariado pelo fato de que sua esposa é quem tinha todo o poder no reino, o duque acabou abandonando suas filhas para ir lutar e não voltou, porque morreu na guerra. Miranda nunca perdoou o marido por abandonar suas filhas, fazendo com que elas nunca conhecessem o carinho de um pai.

As pessoas daquele reino não se importavam com o gênero de seu governante, conquanto tivessem um lar, trabalho, comida, diversão e nenhuma guerra, elas se mantinham felizes. A rainha era descrita como uma mulher de poucas palavras, fria ao comandar e interagir com as pessoas, porém justa e o reino havia prosperado muito sob sua regência.

*

Andrea ou Andy, como todos a chamavam, nasceu quando seus pais não esperavam mais ter filhos. Para eles, a vinda de Andy se igualava as flores das montanhas que nasciam no meio do gelo, trazendo beleza e alegria. Ao contrário da maioria das crianças daquele país, Andy tinha os cabelos castanhos escuros, olhos mais castanhos ainda e uma pele muito alva que a destacava entre todos. Quando cresceu, Andy passava seus dias sonhando em poder sair do pequeno vilarejo onde vivia e ir trabalhar na cidade grande, perto do palácio. Melhor seria ainda se fosse dentro do palácio. Ao contrário das outras meninas que sonhavam em se casar o mais jovem possível, Andy gostaria de conhecer um pouco da vida. Ver coisas e conhecer pessoas maravilhosas, como as que lia nos livros. Enquanto suas amigas saiam para se divertir em bailes, Andy preferia ficar no quintal da sua pequena casa lendo ou conversando com seus pais ou mais velhos. Não que ela não gostasse de sair pra dançar e se divertir, ela fez isso muitas vezes, mas agora o que ela queria mesmo era tentar ter uma vida diferente. Por ser pobre, Andy trabalhava na lavoura desde muito cedo e, além disso, tinha aprendido a fazer todos os afazeres de casa para ajudar a mãe. Contava agora com 25 anos e ainda era solteira. Todas suas amigas há muito tinham casado e tido filhos. Seus pais gostariam que ela tivesse encontrado um rapaz bom, porém também nunca a pressionaram e além do mais, Andy não escondia seu desejo em ir embora dali. Foi quando então, um velho mascate, amigo de seu pai passou por ali e Andy pediu para ir embora com ele. O homem, muito bondoso resolveu levá-la junto em sua pequena carroça, já que ele estava indo para a capital. Foi uma choradeira sem fim por parte daquela pequena família e dos amigos que vieram se despedir de Andy. Ela nunca havia saído dali e agora estava indo para um destino incerto. Teria que ficar sabe- se lá quanto tempo sem poder ver os pais, talvez até nunca mais vê-los, pois eles já estavam bem velhos. Mesmo assim ela foi, pretendendo voltar com dinheiro e melhores recursos para eles.

"Você é minha flor", seu pai disse tentando disfarçar as lágrimas. "Espero que floresça e traga alegria como trouxe para nós".

A viagem foi longa, cansativa e triste. Depois de vários dias, eles enfim chegaram à cidade. Andy ficou deslumbrada com a imensidão da cidade, as roupas das mulheres, a quantidade de gente andando pelas ruas, a quantidade de lojas e com o grande palácio no topo de tudo. Nunca, nem em seu sonho mais selvagem ela podia ter imaginado que o palácio seria um lugar tão bonito e imenso. O mascate continuaria com suas vendas adiante e não poderia ficar mais com Andy, ela teria que se virar sozinha naquela cidade. Com as poucas moedas que tinha e com mais algumas que o viajante lhe dera, ela conseguiria pagar um quarto numa estalagem por três dias. Se não conseguisse trabalho nesses três dias, estaria na rua e quem sabe seu sonho acabaria ali. Porém Andy era corajosa e depois de passar a primeira noite na cama fina, se banhar e tomar um café reforçado feito pela dona do lugar, Andy saiu logo de manhã para procurar um trabalho. Depois de muito tentar, conseguiu uma vaga na cozinha de um hotel lavando pratos. Muitas mulheres trabalhavam ali e a recém-chegada logo se enturmou. As mulheres contavam fofocas diversas sobre a sociedade, principalmente sobre a rainha que era sua governante. Andy sabia que a rainha não era uma mulher fácil de lidar, mas as histórias que ouviu naquelas poucas horas, a deixaram alarmada. As mulheres garantiram que a rainha fazia até mesmo o mais destemido general chorar diante de suas ordens. E nunca, a rainha elevava a voz, tudo era dito no tom mais glacial. Mesmo assim, trabalhar no palácio além de grande honraria, era a garantia de uma vida tranquila, pois todos os funcionários do palácio tinham o maior salário do reino, já que a escravidão havia sido abolida há muito tempo naquelas terras, mesmo que em países vizinhos ainda existisse. Uma das mulheres mais velhas, contou que a rainha se vestia diariamente com calças masculinas e saia para praticar arco e flecha, ensinando até mesmo suas filhas na prática e que a rainha podia lutar com qualquer homem com uma espada e mesmo assim, não deixava de ser feminina e bela. Mas a notícia que mais motivou Andy foi saber que a rainha estava precisando de uma assistente pessoal. Com o aparente entusiasmo de Andy pela chance, as mulheres trataram de desencorajá-la: todos sabiam que apenas meninas da nobreza podiam trabalhar perto da rainha, a rainha nunca tivera uma assistente que não pertencesse a nobreza. As plebeias apenas trabalhavam como cozinheiras, lavadeiras ou empregadas de serviços gerais. Até mesmo as meninas que banhavam a rainha tinha que ser pelo menos, filhas de algum membro do congresso ou de algum militar. Por isso, as assistentes eram tratadas como verdadeiras princesas, tendo acesso as mais bonitas roupas e tendo o privilégio de poder fazer parte da comitiva que acompanhava a rainha em suas viagens ao exterior. Era um trabalho integral, mas que rendia status dentro da sociedade. Andy guardou para si o desejo de poder trabalhar para a rainha e naquela noite quase não dormiu pensando apenas nisso. Nunca havia visto a rainha de perto, pelo que contavam, deveria ser uma bruxa horrenda, porém, gostaria de ter essa oportunidade, além de que com o dinheiro que ganharia, poderia guardar e mandar para os seus pais oportunamente. Levantando cedo mais uma vez, Andy vestiu o seu melhor traje e resolveu: iria ao palácio tentar a vaga. 


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