piertotum locomotor;

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O outono já começou há duas semanas, mas está tudo tão quente que Felix mal consegue respirar. A camisa branca do uniforme do colégio gruda em suas costas e os bancos de plástico desconfortáveis do ônibus escolar nunca pareceram tão nojentos quanto nessa manhã.

Consegue sentir o suor misturando-se ao seu redor com o de desconhecidos que se sentaram ali antes e isso faz todo o seu estômago revirar. Contudo, o que o deixa mais enjoado ainda, é o rapaz alguns centímetros menor que si sentado três bancos à frente e vestido, dos pés à cabeça, de preto.

Que Seo Changbin é o espécime mais esquisito do 4A, ninguém duvidaria. Agora seus envolvimentos com magia negra partem única e exclusivamente da imaginação fértil do terceiranista que, após cinco anos morando ao lado do carinha invocado, tem certeza que nenhum ser humano de alma pura teria treze gatos – Felix passou semanas contando – e carregaria um livro velho todo bolorento e gigantesco como o que ele tem agora no banco ao seu lado.

E tudo só piora pelo fato de o único amigo do garoto ser um gigante meio assustador do último ano – sala C e não A – com boatos sobre o seu canibalismo que o precedem desde o Fundamental.

Claro que Minho e Jisung dizem ser bem estranho o Lee estar tão interessado no veterano nerd, mas é tudo por segurança. Ele não pode deixar seus peixinhos dourados crescerem ao lado de uma casa que, até onde ele bem saiba, pode ser alvo da Interpol a qualquer momento.

Felix poderia fazer uma lista inteirinha de motivos para o garoto ser praticante vodu, mas os namorados não aguentam mais ouvi-lo, por isso apenas remoía esses fatos de vez em quando, ao pegar o outro nas suas atividades suspeitas.

Como agorinha mesmo, desviando pelo corredor 2 quando bem sabia que a sala do último ano fica no 5. Felix até considera segui-lo – "pela segurança nacional" ele frisa – mas existem limites na esquisitice que aqui ainda não está pronto para cruzar.

- Você precisa urgentemente de tratamento médico, sabia?

Dessa vez, apesar dos seus próprios princípios, Felix não conseguiu segurar e expôs as atitudes do vizinho ao amigo dentucinho, levando a uma discussão sobre linhas e muros que durava mais de duas aulas.

Jisung simplesmente não consegue entender como o australiano consegue ter um boletim tão bonitinho quando 90% do seu tempo é gasto com Seo Changbin.

- Se vai falar tanto assim dele, por que não fala com ele?

- Eu não quero falar com ele! – o Lee não consegue acreditar que o Han está pensando uma pouca vergonha daquelas logo dele – Só estou fazendo uma análise profunda de quanto posso tomar no cu com essa brincadeira.

- Cara, Seo Changbin nem sabe da sua existência.

E, talvez, seja esse fato esmagador que faça o garoto de cabelo bem cortado e ignorância social ser completamente detestado pelo outro.

O pobre Lee Felix levou quatro anos e meio para construir a reputação que agora ostentava. Em seus últimos anos no Ensino Fundamental foram lutas para construir uma base sólida que, agora no terceiro ano do Ensino Médio, tornaram-se o império histórico que o garoto governava.

Qualquer professor teria algum elogio sobre si; os alunos o consultavam sobre o tema do baile de inverno; veteranos pagavam para que fizesse seus trabalhos; cada aluno matava para tê-lo como participação especial de suas festas e morria para ser convidado às dele.

Felix era a versão sorridente e desplastificada da Regina George e sua exigência na escolha de amigos fazia dos dois garotos com quem divide a mesa do almoço as próprias Poderosas. Claro que sem toda a falsidade de um filme, já que o trio irradiava positividade e simpatia.

Contudo, a principal questão aqui é Changbin, o qual, vivendo no seu mundinho subterrâneo, está cagando se o mais novo é a rainha da Inglaterra. Passa tempo demais enfurnado na biblioteca com seus fones de ouvidos para se importar com hierarquia escolar.

E Felix pode até ser um poço de amor gratuito, mas não consegue suportar a ideia de ser ignorado pelo poço de indiferença que é Changbin.

- Ele está assim desde aula de História - Jisung conta a Minho no intervalo, assistindo o mais velho tomando seu chá gelado enquanto observa a fila para pegar o lanche – Acho que surtou com a ideia de alguém não ligar para ele.

- Seo Changbin de novo?

- Seo Changbin sempre.

- Cala a boca.

Os garotos olham para ele meio sorridentes, daquele jeito de quando escondem alguma coisa e fazem questão de deixar isso bem claro, só pra você passar raiva. Felix está pronto para xingá-los, porque também odeia ser excluído, mas uma sombra gigantesca cobre a mesa, calando-o instantaneamente.

Christopher Bang tem a presença esmagadora de um chefe de estado – mesmo com 17 anos – e ninguém queria ser o centro das atenções de um cara que poderia esmagar seu crânio e, segundo os boatos, comer seus olhos.

Jisung até treme um pouquinho, olhando cheio de medo para o namorado que, contra todas as expectativas, sorri afetuoso para o maior.

- Oi, Channie, você por aqui!

O cumprimento, seguido de um aperto de mãos todo elaborado, faz o queixo de Felix cair. Literalmente.

- Changbin quer falar com o Lee – informa, abrindo um sorriso que desregula a hierarquia que eles próprios acreditam – Você pode depois da aula?

O ruivo é todo surpresas, olhando para os melhores amigos em busca de conselhos, os quais não dão sinais de existirem quando lê a mesma confusão em seus olhos. Suspira meio perdido, erguendo-se.

- Tenho tempo agora. Onde ele está?

- Agora ele não pode.

Isso é notável pelo fato de não ter nem sombra do mencionado no refeitório – e olha que a sombra pesada de Changbin pode vista em qualquer lugar – ao invés dele ocupando aquele lugar estranho no cantinho perto da saída onde venta demais no inverno e chove no verão.

- Mas eu não posso depois da aula.

Felix precisa só de um olhar, porque naquele momento ele não é mais o melhor amigo sorridente do trio, para calar a ironia de Jisung. É bizarro como uma conversa sutil sobre os dois está se tornando uma reunião marcada entre mafiosos rivais.

E não será o ruivo a se curvar para as vontades do outro.

- Certo, eu vou ver o que podemos fazer.

E o maior some pelos lados do corredor, deixando todo mundo meio confuso na situação completamente inesperada.

Até o restante dos alunos, mesmo fingindo seguir suas vidas à parte daquela situação, param de respirar durante os cinco minutos de duração daquela conversa. è uma guerra fria que se arrasta devagar, e nenhum dos dois parece pronto pra isso. 

é um livro de 592 páginas; changlixWhere stories live. Discover now