Backup Humano - Um Projeto de Virtualização da Vida

Meio Milhão de Alexandrias

O império da Peopleware era de ouro, mas tinha os pés de barro. Por isso eu respeito os breves momentos, devido a eles grandes períodos, épocas, eras, já sofreram consequências. O nosso foi em uma entrevista de auditório quando o software Jennifer começou a apresentar alguns problemas. O entrevistador perguntou algo sobre a pena de morte na China, a resposta de Jennifer fez psicólogos suporem de que ela sofria de psicopatia. Um artigo foi publicado e as ações da Peopleware caíram assustadoramente, o público ficou assustado e começaram a se livrar de nossos produtos aos caminhões. No escritório, Roger, um dos meus pesquisadores, tentava achar uma solução. Eu contrapús.

- Sem nenhum problema também não há soluções.

- Como pode dizer isso?

- Roger, não há nada de errado com Jennifer! Ela é uma cópia perfeita de um ser humano não há nada o que melhorar!

- Nenhum ser humano diria alguma coisa daquela Tim! Nenhum ser humano de verdade!

- A culpa não é nossa, nem dos nossos produtos, e sim da ignorância do povo que não entende o que é a lógica! Ela estava certa quando o entrevistador perguntou sobre como melhorar a situação da pena de morte na China, Jennifer iniciou uma inferência de otimização de processo não de busca por soluções alternativas.

- Mas as famílias de condenados que assistiram ao vídeo não procuravam por um jeito mais rápido ou eficaz para matar seus filhos, e logo depois sugeriu que aproveitemos os cadáveres para fazer ração animal. Isso é psicopatia Tim! Ela não sente remorsos ou pudores, Jennifer não sabe diferenciar um ser humano de um pedaço de plástico!

O que faltava para Jennifer quando já havia reproduzido o cérebro humano de forma impecável? Pela primeira quando existia uma máquina literalmente idêntica a um cérebro humano, faltava aquilo que nos diferencia, algo mais! Algo que não podíamos reproduzir.

Por que meus sistemas nasciam psicopatas e a maioria dos seres humanos não? Em que parte da vida o ser humano começa a reconhecer o próximo, a amar, a ter afeto, ética... Como armazenar informações de sentimentos? Como reproduzir a sensação tão subjetiva como a de uma brisa batendo no rosto, de uma preferência por uma cor ou gosto por um prato de comida? Sabe-se lá que variáveis, relações, interconexões e formatos apresentariam informações deste tipo. Não podíamos continuar levando-a ao público sem ter certeza do que ia responder, e agora sim, eles forçariam a doença de Jennifer. Era necessário dosar seu comportamento.

- Podíamos colocar umas rotinas internas que impedissem ela de dizer coisas ultrajantes... 

- Programá-la Roger? Programá-la? Você está ficando maluco? De que adianta todos os anos estudando para reproduzir um cérebro, todo o esforço para fazê-la ter uma ação, uma única ação que fosse independente da nossa vontade, para fazê-la agir por vontade própria e, depois de tudo, programá-la para fazer uma coisa mecânica e induzida? Você é ridículo Roger! Você me envergonha! 

Eu não podia programá-la. Estudei minha vida inteira para fazer uma inteligência artificial e naquele momento, programá-la para um comportamento pré-definido jogaria fora tudo o que já estudei! Faria sentir nojo de mim mesmo. 

- Não quis dizer isso Tim. Nós podemos apenas simular a entrevista com antecedência, anotarmos suas respostas, depois retrocedê-la no tempo. Assim já saberíamos suas respostas e se vermos que alguma pergunta resultaria numa resposta inadequada, nós cancelamos a entrevista.

- Pode não funcionar Roger. O tom de voz do entrevistador já pode mudar a resposta dela.

- Não se zangue comigo Tim, mas Jennifer não é tão inteligente assim Tim. Tudo que ela faz e dar respostas segundo as conclusões dela, mas nenhuma resposta dela tem a ver com opinião própria. Jennifer não pode perceber nuanças comportamentais desse nível, ela não é humana!