Acordei novamente em meio a um rio de suor e me sentindo sufocado pelos lençóis que me envolviam, demorei um tempo para regular a respiração e lembrar que horas eram, se era dia ou noite, e onde eu estava naquele momento, olhei para as paredes cinza do quarto alugado, tentando me acalmar após o sonho que tive, eu havia sonhado com ela, já fazia uns meses desde que eu tive um sonho tão claro e real, a ponto de me sentir angustiado por ter acordado tão depressa, ainda consigo sentir seu cheiro, e o ar denso que pairava sobre nós naquela manhã, quando ela ainda estava viva, o dia em que eu tive minha mãe pela última vez.
Lembro como se fosse o momento de agora, estávamos indo a minha escola para uma reunião com a diretora, minha mãe estava chateada comigo, fechou a cara para mim segundos após desligar o telefone, por ter sido informada que eu estava fumando na escola, bem a história na realidade não era bem essa, eu apenas estava na hora errada e no momento errado, mas claro sendo eu, iria sobrar para mim. A pior parte é lembrar do seu olhar magoado, me sinto culpado que o seu último dia tenha sido ela com raiva de mim na maior parte do tempo.
Nos encaminhamos para o centro primeiro, onde pretendíamos ficar até dar a hora da reunião, ainda me pergunto o porquê saímos tão cedo, talvez se tivéssemos nos atrasado um pouco naquela manhã ela ainda estarei viva, mas não foi o que aconteceu, andamos por bastante tempo, eu estava faminto, mas sentia que não tinha o direito de pedir nada a ela depois do que fiz, então estava na esperança dela perceber que não tomamos café da manhã naquele dia.
Ela tinha o costume de pegar na minha mão a todo momento, eu não gostava disso na época, achava que 13 anos era uma idade que me permitia agir como adulto, me sinto ridículo por negar que no fundo eu gostava que ela fizesse isso, me sentia de algum modo protegido.
Minha mãe era do tipo que amava arte, era o único assunto do qual os debates eram de igual para igual, ela sempre me tratava como maduro em nossas discussões sobre pinturas, cores e conceitos artísticos, e seu maior prazer era explicar como aquela obra surgiu e seus detalhes mais minuciosos, desde a tonalidade usada, o modo como o artista dá suas pinceladas, os ângulos delas, os mistérios escondidos no segundo plano, e eu amava escutar cada coisa.
Foi por esse motivo que assim que começou uma chuva forte o primeiro lugar que escolhemos para nos abrigar foi o museu, que ficava próximo dali, era um dos meus lugares preferidos, íamos lá várias vezes, e por ser gigante sempre havia lugares novos pra descobrir, eu gostava de imaginar que toda vez que entrava lá era como entrar em uma terra desconhecida, onde uma hora eu me perdia no Egito e me encontrava em meio a Grécia na sala ao lado, fantasia essa que ia diminuindo ao passe que eu crescia.
- Está vendo aquele quadro? - Disse apontando para uma das obras expostas - Olhe bem para ele, parece ser apenas uma cesta de frutas realista, certo? Mas se olhar bem de perto verá uma mosca lá no fundo da tela, quase jogada na pintura, mas ela não está ali por acaso, na verdade está na espreita esperando que as frutas fiquem podres e passadas para que ela possa se alimentar, é o artista nos dizendo de modo indireto que nada dura para sempre, que as frutas irão apodrecer um dia, assim como nós.
Olhei fixamente para a pintura, é engraçado como sua explicação me fez vê-la de outra modo, e agora as cores tão vivas e tão felizes se tornaram melancólicas perante aquele significado, andamos mais um pouco e eu sempre ouvia atenciosamente suas explicações. Estava quase na hora de irmos a escola e já estávamos a poucos passos para sair dali, mas ela queria ver mais um quadro.
- Estou com sede mãe, posso ir ali comprar uma água? - Perguntei apontando para uma pequena barraca do outro lado da rua.
- Está bem, vá na frente te encontro daqui a pouco - Disse me dando algumas notas - E coma algo, esqueci do nosso café hoje - Fiquei contente por finalmente saber que iria comer, e principalmente por perceber que ela já estava com o humor um pouco melhor, e até sorriu pra mim antes de sair - Até daqui a pouco.
E foi ali que mesmo sem perceber, vi ela ir embora.
Sem saber que seria para sempre.
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Oʀɪɢɪɴᴀʟ ʟᴏꜱᴇʀ ° Mᴀʏʟᴏʀ
RomanceBrian May sobreviveu a um atentato terrorista em uma galeria de arte, mas perdeu sua mãe no local. Vivendo em Las Vegas, ele acaba ingressando em uma carreira perigosa e à margem da lei: a falsificação de obras, em meio a tantos acontecimentos ele a...