Assim como propagandas enganosas nos fastfood, aquele lugar não era nenhum paraíso, eu sabia que por não ter bens ou dinheiro, aquele seria o único lugar que o governo podia me oferecer, mais tarde descobri que eu tinha uma pequena poupança criada pela minha mãe que na época não podia ser disponibilizada por conta da minha idade, mas a realidade no momento era que aquela seria minha casa por um bom tempo.
Eu tive uma má impressão logo que fixei meus olhos no internato, a começar pela aparência, parecia um edifício medieval misturado com alguns elementos da era gótica da arquitetura europeia, mas com o detalhe de estar há anos sem receber uma reforma, ou restauração, aparentemente não tinha grades o que me aliviou um pouco, porque parecia menos com uma prisão, apesar de ser exatamente isso, a área de lazer era bem frustante, não tinha árvores, ou nada do tipo, se resumia em um grande pátio sem nada de especial, os quartos e toda a parte interna eu ainda não tinha visto, mas algo me dizia que não era muito diferente daqueles blocos de concreto da fachada.
Eles simplesmente me jogaram lá, cheios de sorrisos e palavras de conforto, como se tudo aquilo me fizesse sentir melhor, eu sabia que era só mais uma criança desamparada que eles "Tinham dado um jeito", por isso todo aquele discurso não me iludia, conversei com a diretora assim que entrei, ela passava as instruções como um militar no exército, mas sempre com a máscara de "Também estou de luto com você", eles revistaram minhas malas, e alguns livros, eu me sentia um detento explicando um crime, tudo ali era pesado demais, as cores em tons de cinza estavam começando a me deixar claustrofóbico.
- Agora que já sabe como as coisas funcionam por aqui, iremos te levar até seu novo quarto, já está ocupado, terá um colega para te fazer companhia, ele pode não parecer muito amigável a primeira vista, mas é um bom menino, e excelente ouvinte - Disse claramente sem querer falar aquelas coisas pela falsa história que parecia inventar, o que já me fez mentalizar um garoto perverso que iria me atormentar até meu último dia ali - Aqui está seu novo quarto - Disse abrindo a porta, me assustei um pouco com o que vi, era uma completa desordem, tudo estava fora do lugar, e a cama que deveria ser minha estava lotada de desenhos, sapatos, gravatas, entre outras milhares de coisas, eu sempre tive um pouco de toc por arrumação, então simplesmente não conseguia me imaginar dormindo ali.
- Está um pouco bagunçado porque ele estava sozinho, mas logo que souber que irá dividir o quarto ele tomara jeito - Sorri meio sem graça para ele torcendo pra ter 1% de verdade no que ela disse, e fui deixado lá com a mala na mão e uma grande pergunta.
Onde tem espaço pra mim?Analisei melhor o ambiente tentando decifrar se ali morava mesmo um ser humano, e como ele vivia naquele lugar, não tinha fotos dele ou da família, nem aparelhos tecnológicos que se espera no quarto de qualquer pré-adolescente, se ela não dissesse que alguém dormia aqui, acharia facilmente que estava abandonado.
Sentei no espaço mínimo livre na beira da cama e deixei meu corpo cair em cima de toda aquela confusão de objetos e roupas, eu estava exausto, queria chorar mas não conseguia, pra ser sincero não consegui derramar nenhuma lágrima desde que tudo isso começou, porque chorar por ela era como aceitar que ela partiu pra sempre, só sentia um grande vazio, como algo arrancado de mim, era horrível e desgastante.
Não sei ao certo em que momento adormeci em meio aquele caos, mas talvez tenha sido resultado de dias sem fechar os olhos, ou sequer cochilar, eu não tive tempo de me olhar no espelho mas sabia que minha aparência estava péssima, perdi peso e estava mais pálido, contudo, desligar meu cérebro era tudo que eu queria naquele instante.
Entretanto, meu pequeno descanso foi brutalmente interrompido por um barulho estrondoso na porta, acordei em um sobressalto buscando a origem do som estridente me deparando com um garoto loiro que a primeira vista parecia querer me matar apenas com o olhar, mas mudou de expressão quando fechou a porta, começando a falar sem parar.
- Eles tomaram meus cigarros de novo! Quem esses idiotas fardados acham que são?! Demorei muito pra arranjar aqueles, eram de boa qualidade - Esbravejava como se fôssemos conhecidos, mas pra ser sincero tive a impressão de que ele estava falando com ele mesmo e ignorando completamente minha presença ali, por isso permaneci em silêncio e um pouco assustado - Você é o Brian, certo? - Perguntou pela primeira vez direcionando sua fala a mim, fiquei um pouco nervoso, seus olhos azuis me intimidava um pouco, apesar de ter plena certeza de que ele era bem mais baixo que eu, mesmo assim ele me dava um pouco de medo.
- Sim - Respondi com a voz um pouco mais fina e rouca que o normal, ele sentou em cima da roupa do meu lado da cama, o que me deixou ainda mais nervoso pela proximidade.
- É calado assim ou só antipático? - Indagou brincado com um isqueiro que tirou do bolso, seu jeito despojado e radical me lembrava os jovens rebeldes dos filmes franceses que eu via com a minha mãe.
- Está aqui a quanto tempo? - Arrisquei perguntar, talvez meu desespero por querer sair dali falou mais alto e eu acabei soltando esse questionamento rápido demais, me arrependi um pouco disso.
- Dois anos, ou talvez três, não sei ao certo, a gente perde um pouco da noção de tempo aqui - Disse meio entediado - De onde você é?
- Nova York.
- Percebi logo de cara, seu jeito engomadinho te denunciou, apesar de eu ter chutado que tava mais pra britânico.
- Eu nasci na Inglaterra na verdade, mas minha mãe se mudou pra Nova York quando saiu da casa dos meus avós - Ainda era estranho falar dela assim principalmente com um desconhecido - E você? - Questionei um pouco curioso.
- Bem, vejamos - Disse afundando nas roupas da cama e contando os lugares
nos dedos - Morei na Rússia, na Escócia, que talvez tenha sido legal mas eu não lembro, na
Austrália, na Polônia, na Nova Zelândia, no Texas por dois meses, no Alasca, na Nova
Guiné, no Canadá, na Arábia Saudita, na Suécia, na Ucrânia, Indonésia...- Caramba quanto lugar, você fala quantas línguas? - Perguntei sem esconder que estava impressionado, eu só conheci bem Nova York, nunca mais fui a lugar algum.
- Algumas, mas sou mais apegado ao Russo.
- Diz alguma coisa em Russo - Ele me olhou com um meio sorriso. E disse algo que parecia um gemido meio cuspido com uma entonação estranha - O que isso significa?
Ele me olhou rindo
- Vai tomar no cu.
- Me mandou tomar no cu em Russo?
- Na verdade é ucraniano.
- E qual é sua nacionalidade afinal? - Perguntei um pouco mais aberto na conversa, ele de algum modo mesmo que estranho havia me deixado mais confortável.
- Bem, minha mãe era polonesa, meu pai ucraniano, eu nasci na Austrália, talvez eu seja indonésio.
- Indonésio? - Indaguei um pouco confuso.
- Meu passaporte diz que eu sou ucraniano, mas o único lugar que chegou próximo de um lar pra mim foi a Indonésia.
- Como era morar lá?
- As ruas eram incríveis, as pessoas e o clima também, mas em casa era um tédio mortal, não conseguia ficar seis hora seguidas sem pensar em fugir, principalmente por causa da minha mãe.
- O que ela fazia?
- Bebia principalmente - Disse sorrindo sem humor.
- Então ela devia conhecer meu pai.
Ele deu uma risada explosiva quase me acertando com o corpo.
- Você é legal Brian, vem vamos lá pra fora, seremos obrigados a ficar nessa prisão de quarto a partir das dez da noite - Disse praticamente me puxando pra fora do quarto.
E para minha surpresa ele não era tão assustador assim.
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Oʀɪɢɪɴᴀʟ ʟᴏꜱᴇʀ ° Mᴀʏʟᴏʀ
RomanceBrian May sobreviveu a um atentato terrorista em uma galeria de arte, mas perdeu sua mãe no local. Vivendo em Las Vegas, ele acaba ingressando em uma carreira perigosa e à margem da lei: a falsificação de obras, em meio a tantos acontecimentos ele a...