Guerra - Exame

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Pôr do sol.

"Meu bem... Etília! Você está bem?", segurando a sua cabeça no chão a voz bradava com ternura.
"Mas defuntos não falam", pensou, enquanto abria os olhos... "O que está acontecendo?"
"A guerra acabou, Etília...", era ele mesmo.

"Você voltou..."

"Voltei...", e o homem sorriu... Era o mesmo sorriso, os raios de sua vida, doce como uma criança.

Etília tocou o seu rosto, como uma cega a reconhecer, tateando a escuridão em Luz... E chorou. "Eu senti saudades..."

Ele a abraçou e o cheiro de óleo diesel em suas vestes confirmou que era mesmo realidade... Quem ela havia acabado de matar, ressurgia.

"Você caiu e bateu a cabeça, Etília... Está tudo bem?", perguntou preocupado, enquanto acariciava as rubras bochechas na face branca, ao chão.

"Mas... Como você chegou aqui? O que aconteceu?", ela não queria entender, mesmo já entendo tudo.

"O pessoal do exército me deixou aqui... Não viu o carro?"

"Não...", era da floricultura, com certeza...

"Etília, eu estou aqui. Eu voltei, meu amor...", ela chorou mais e mais...

"Foram três anos!" - provavelmente nem ela mesma percebeu que começara a empurrá-lo - "Três anos sem uma carta, Theo!", ele a apertou mais forte sob seu peito... "Três... Longos... Anos! Três..." - as gotas, que dos seus olhos escorriam até a maçã de sua face, tinham gosto de saudade - "Três... Anos..." - enquanto esmurrava o braço, soluçando.

E foi assim até o calar dos pássaros, no crepúsculo da cidade. Entre silêncios e olhares, pouco se falou... Mas, sem esforço nenhum, muito se compreendeu. Theo então perguntou se havia um banho quente, Etília foi esquentar a água. Eram tantas dúvidas que já não sabia organizar as suas próprias ideias. Eram muitas vozes em sua cabeça - "serão todas minhas?", imaginava. Enquanto esquentava a água, um pensamento - tal qual o vento que balançou os seus cabelos - soprou em sua intimidade...

"Seria ele mesmo?", julgou ser um devaneio pelo o fato de ter batido a cabeça... Mas não podia descartá-lo... Era muita serenidade em seu olhar, Theo não demonstrara nenhuma marca-n'alma. "E os horrores da guerra?", deixou a água no fogo e subiu as escadas de súbito, precisava confirmar que aquilo era real.

A porta estava aberta. O dourado da lamparina em seu quarto a tudo iluminava com sensatez. Aquele homem que retirava a camisa e a colocava calmamente em cima da cama, junto com o seu casaco, por um momento parecia uma miragem. Estava inteiro, metódico em seus movimentos... Vívido até por demais. Foi quando a pequena luz amarela da lamparina abrilhantou um caminho que escorria de Theo e, como um rio que encontrava entre relevos o seu caminho, pingavam sobre o casaco empoeirado da viagem.

Em tempos áureos teria sido repreendido pelas vestes empoeiradas em cima da cama de casal, mas a ética - há tempos - fora dissolvida pela força do sublime momento. Sem perceber a presença de Etília na porta, Theo senta na beira da cama, de costas para ela. "Os horrores da guerra...", ela balbucia. Pequenas muitas cicatrizes sombreavam as suas costas, à luz amarela... Theo tira a aliança e coloca ao seu lado direito, preparando-se para o banho. Sem aliança, Etília se aproxima...

Tocou as suas costas e suas linhas: "Eu te neguei por três vezes, Theo..."

Ainda em serenas lágrimas, ele diz: "Eu estou em casa, Etília..."

"Theo... Eu te neguei por três vezes", seus dedos levemente se enrijeceram.

"E em alguma delas adulterou?"

"Não...", aliviou o toque.

"Então está bem, meu bem... Eu estou em casa."

Etília abraçou-o por trás, sem palavras. Fecharam os olhos, em silêncio, enquanto ele passava as sujas mãos naqueles delicados braços a envolvê-lo.

"Creio que... Em meu coração, você morria todas as manhãs... Mas a noite renascia de novo. E eu, como tola, criei uma carapaça ao meu redor..." - a pior dor, definitivamente, era a espiritual.

"Você sempre se escondeu atrás desse coração de gelo, meu bem", ele riu... Mas ela não recebeu como uma brincadeira e chorou.

"Theo... Por três vezes eu sorri acreditando ser outra pessoa em nossa casa."

No exato momento em que falou isto, se arrependeu. Theo conteve o arregalar dos olhos:

"Etília" - Theo conhecia a mulher com quem estava... - "quando foi isto?"

"Hoje..."

"Teimou neste pensamento?"

"Pelo o filho que uma vez tivemos e por todos os anjos celestiais... Ele já não importa agora, Theo... Eu estava confusa. Nunca permaneci e nem quero a permanência... Sei que se fosse outro em nossa casa, não iria nunca entregar-lhe o que é teu por direito, Theo. Eu sou sua! Me desculpe... Meu bem amado..." - chorava... Temendo por continuar, continuou:

"Hoje eu subi no monte do nosso primeiro beijo... Mas não foi por recordação e sim por blasfemar do Amor... Eu fiz a sua lápide... Enterrei o símbolo mais sagrado de nossa vida. A nossa aliança... Logo hoje... Theo, nunca iria traí-lo... É o meu grande amor, desde meus dezoito anos... Mas tinha de lhe falar! Você sabe... Eu prefiro perder com a verdade a ganhar com a mentira... Me descu--", Theo aperta a sua boca com os dedos.

"Etília... Você está linda."

E foi assim que se deitaram pela primeira vez em anos, à luz de uma lamparina e aos apitos da água na cozinha esquentando ao fogo... Afinal, o do quarto já expurgava os seus pecados.

"Que saudade eu sentia dessa simplicidade...", era como se fosse a primeira vez. Por fim, deitou sob o tronco dele, abraçando-o e encostando a sua face nos pelos dos quais já nem lembrava mais. Orou nas profundezas do seu coração, pedindo perdão a Deus e bênçãos pelos próximos dias. "Jesus, atendeste as minhas preces de modo que eu nunca poderia conceber... Sempre soube que sabias o que estava fazendo. Me desculpe por ser uma filha ingrata..."

"Mulher...", a voz tenre interrompeu seus pensamentos.

"Diga, meu bem... Meu amor..."

"Não é por nada não..."

"Diga..."

"Alguém tem que apagar o fogo da cozinha", e tudo era riso e redenção.

Tempo de AmarOnde histórias criam vida. Descubra agora