Two

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"Art is not what I create, what I create is chaos."

Em fração de segundos eu já me encontrava num mundo totalmente diferente, mas que estranhamente eu já conhecia até melhor do que o que eu habitava há dezesseis anos. Nesta paisagem de tons acinzentados, tudo parecia calmo, as pessoas pareciam mais vazias e isso de certa forma me agradava, porque eram exatamente como as do outro mundo, mas nunca usaram de aparências, não tentavam esconder que eram vazias e que tinham problemas, não usavam um sorriso pra disfarçar a dor, diziam o que pensavam e doa a quem doer, ninguém nesse mundo se importava, porque ali era literalmente tudo preto no branco (e no cinza, a perfeita mistura dos dois).
Toda essa familiaridade de certa forma fazia muito sentido, já que, além da obra ser minha, expressava todo o meu interior, todo o preto, branco e cinza que eu já não fazia questão alguma de esconder. Os problemas passados que me tornaram a breve bagunça de cabelos curtos e roupas largas que sou eu.
Caminhei por todo aquele lugar triste, me sentindo estranhamente realizada. Tudo ali era meu, fazia parte de quem eu era. O ambiente calmo, a pouca luz, as folhas tombando no chão com a leveza de uma pena... tudo ali, de uma forma muito singular, fazia parte da minha desordem, meu caos interior, e essa foi a primeira vez que eu me senti internamente mais organizada.
As pessoas ao meu redor sempre me julgavam uma artista, e eu não as corrigia nunca. Não, não era por gostar de ser chamada assim, mas porquê elas tinham sua própria interpretação do que eu realmente criava: o caos. Passei na vida de muitas pessoas e não me mantive em nenhuma. Participei de várias histórias, mas sempre como mera coadjuvante de tudo. Talvez por não me sentir digna do amor das pessoas, talvez por ser totalmente irrelevante, talvez porquê é difícil criar raízes na vida de alguém... porra, eu precisava de um terapeuta urgentemente.
Só quando vi que todos ali olhavam pra mim, despertei de meu devaneio. Eu ainda julgava aquilo como um sonho, tinha certeza que daqui uns minutos (que pareceriam horas) eu iria acordar debruçada sobre a minha escrivaninha, totalmente desorientada e atrás da primeira xícara de café puro que conseguisse encontrar. Pensar nisso fazia meu estômago revirar, pelo simples fato do enjôo que esse hábito me causava. Era com isso que minha cabeça se ocupava, quando...

— Que tipo de coisa é você? Consegue falar? De onde é?

Era uma criança. Uma menina baixinha de uns seis anos de idade, formada por predominantes tons de cinza escuro, e com cachos muito bem desenhados, que puxava minha blusa para baixo como forma de ter minha atenção. O que deu certo. O mais engraçado é que eu não me lembrava dela. Pelo menos não nessa obra.

— Eu? Não sou uma coisa. Sou uma pessoa. Mia, meu nome é Mia. E você, quem é?

— Mamãe me disse para falar com estranhos... mas acho que você não é estranha, já sei seu nome. Eu sou Elena. De onde você é? É algum tipo de E.T?

— Por que a pergunta? Eu te pareço diferente?

— Na verdade, moça, você é a única coisa diferente nesse lugar. Tudo por aqui é igual desde... bom, desde sempre.

E foi aí que eu percebi. Eu ainda tinha minhas cores, meus tons. Os olhos castanhos, os cabelos pretos, a pele que apesar de clara tinha um tom nude e as bochechas rosadas. Eu estava aqui, mas ainda era eu. E eu não era desse lugar. Mas não me preocupei muito com isso, afinal tudo não passava de um mero devaneio de onde logo eu iria despertar. Pra que me preocupar se todos olhavam pra mim?

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