Cartas para Crowley

A Carta

Arrumar tudo foi fácil, num estalar de dedos partiu em direção ao seu destino levando suas plantas, o Bentley, uma grande quantidade de vinho e uma angustia no peito por não estar com seu anjo ao seu lado.

Enquanto passava por entre as nuvens da estratosfera (de forma invisível tanto aos olhos humanos quanto a radares e satélites de rastreamento de rondavam a terra) Crowley se lembrava do que havia acontecido naquela semana maluca. Da forma como conseguiram impedir o armageddon, lembrava de que a terra agora estava em segurança, que o menino Adam crescia feliz com seus pais e amigos, que bruxa e caçador de bruxa agora tanto vivam em paz como eram um casal e até mesmo o louco Shadwell conseguiu uma companheira ideal.

Por muitos séculos Crowley achou que nunca poderia ficar com Aziraphale da forma como gostaria por conta dessa tensão pré guerra que havia sempre o ar, tal qual as exigências das chefias de cada um dos lados também impediam que se soltasse de fato. Porém depois do quase-apocalipse Crowley realmente pensou que teria finalmente uma chance. Pensou que seria correspondido e que seriam um casal feliz para sempre da forma mais bela, clichê e fantasiosa que poderia imaginar.

Mas claro, não foi isso o que aconteceu.

Depois que entregaram a espada para o entregador e foram ambos para seu apartamento, Crowley esperou até a manhã seguinte para poder conversar com o anjo sobre o que sentia por ele e foi isso o que fez, sem medo algum ele disse abertamente que amava Aziraphale a milênios, que gostaria de ter um relacionamento abertamente assumido com ele. Crowley não precisava de uma relação carnal como a dos humanos, só o fato de poder abraçar, dar beijos de boa noite carinhosos em seu anjo e estar mais próximo dele já seria uma vitória para si.

Ele se lembra de ter mencionado na conversa a vez que Aziraphale e ele ficaram tão bêbados, ali naquele mesmo apartamento que o anjo dormiu agarrado ao demônio e pôde finalmente confessar o quanto achara aquilo aconchegante. Ambos poderiam ter livrado seus corpos do álcool, mas não o fizeram e foi naquela mesma noite que dormiram juntos que Crowley gravou claramente qual era o cheiro de seu anjo, cheiro este que ficou impresso em suas roupas de cama mesmo depois de ter acordado sozinho na manhã seguinte.

Mas nada do que ele disse adiantou para que conseguisse a reação que esperava, Aziraphale não o aceitou daquela forma, disse que poderiam continuar como amigos da forma que sempre foram e que seria bobagem mudar tudo de uma hora para outra. Aquilo foi o suficiente para Crowley pedir que Aziraphale saísse de seu apartamento. O anjo ainda tentou argumentar, mas ele repetiu com a cabeça baixa que por favor o deixasse sozinho. Aziraphale preferiu não dizer mais nada e então saiu.

Logo depois de fechar a porta Crowley desabou num choro silencioso de mais de seis mil anos de frustração, decepção e ilusão. Quando se acalmou decidiu que não poderia mais ficar ali e agora lá estava ele, chegando em sua amada Alpha Centauri, se instalando como se ali fosse qualquer outro local o qual já morou na Terra. 

Queen ainda tocava no rádio  o qual a muito tempo não precisava da bateria do carro para funcionar, assim como este desde o primeiro abastecimento de gasolina, nunca mais sequer chegou perto de uma bomba de combustível e ainda sim permaneceu rodando.

Cantando baixinho Crowley pegou uma de suas garrafas e dispensou o aparecimento de uma taça, tomando a bebida diretamente do gargalo. Tirou seus óculos para observar a bela luz das estrelas que ajudou a fazer quando era Raphael. Ele amava aquele lugar e realmente esperava que este amor pudesse superar em algum momento o amor que sentia pelo anjo e que agora o machucava tanto.

Meses se passaram desde aquele dia e agora as plantas estavam espalhadas de forma decorativa pelo espaço próximo a uma estrela onde decidiu ficar, todas estavam protegidas por uma película que imita a atmosfera terrestre e deixava todas perfeitamente tranquilas ali.