Capítulo 3

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A grande casa que abrigava uma alcateia contendo cerca de quarenta lupinos ficava no lado sul da floresta de Rivermoon. Um largo rio nos separava, norte e sul, vampiros e lobos. Analisei a grande casa de pedras e suas infinitas janelas. Havia lupinos do lado de fora, em torno de uma fogueira, cerca de dez deles. Riam e conversavam enquanto assavam algo semelhante  a carne. Eu precisaria de redobrada atenção e cuidado, eles não podiam me matar, mas também não estava a fim de complicar o que eu tinha que fazer e muito menos receber mordidas e arranhões daquelas presas e garras gigantescas. Analisei de forma precisa, buscando alguma brecha para entrar pela janela, levando em conta que não fazia ideia de onde a criança estava e não havia chances de entrar pela porta da frente como se fosse um convidado da família. Todavia, não precisei de muito esforço. Assim que um perfume diferente atingiu meu olfato, soube que era ele, pois nunca havia sentido o cheiro de um sangue tão forte e puro como aquele, não podia ser de nenhum outro, pois por mais que o sangue lupino possuísse um aroma e sabor diferente dos humanos, aquele aroma em específico impactou meus sentidos, deixando minha garganta com uma queimação dolorosa.

Lá estava ele, no segundo quarto com a luz apagada.

A madeira rangia sob meus coturnos, mas eu também sabia ser silencioso como um gato espreitando sua presa. Caminhando lentamente até o berço com passos pequenos e leves para não acordá-lo antes do momento certo e também para que os lupinos não notassem minha presença, mas para minha surpresa o bebê estava acordado. Meu olhar foi guiado diretamente para as profundezas de seus olhos dourados que me fitavam com curiosidade. Nesse momento, uma corrente fria, seguida de um arrepio profundo, abraçou todo o meu corpo. Minha mente nublou e... Lembranças. Minha mente foi completamente dominada por lembranças vívidas daquele mesmo olhar dourado, escondido entre a escuridão da floresta.

Suas patas manchavam a neve com sangue, sua mordida perfurava meu... As garras profundas cortavam a minha pele e a dor se espalhara como se meu corpo estivesse em chamas. Por mais que o lobo negro estivesse envenenado com Wolfsbane¹, sua sede por matar corria com mais força entre suas veias. Eu era um fraco inútil com uma espada banhada em minhas mãos, mas eu só pararia de lutar quando meu coração parasse de bater, vencendo ou perdendo, lutaria até a morte, porque eu a desejava... Diálogos embaçados e confusos, um rosto nebuloso deitado ao meu lado, tocando minha face, abraçado a mim, aquecendo meu corpo do inverno doloroso.

Trêmulo, levei a mão ao peito e o apertei, tentando fazer aquela dor parar, a mesma dor que senti quando os dentes afiados rasgaram meu peito. Acabei cambaleando para trás e quase tropecei nos meus calcanhares, confuso, ainda perdido nas lembranças que foram devolvidas à minha mente. Voltei a me aproximar com passos calmos e com uma pressão em meu peito, tentando entender o que havia acontecido, temendo sentir novamente, notei que o bebê continuava com o mesmo brilho profundo nos olhos, ele estava tão sereno e quieto, se soubesse de alguma maneira que eu estava ali para matá-lo...

Com temor e cuidado, toquei o dedo indicador na mãozinha do pequeno lupino, que a agarrou com toda sua pequena força. Ele abriu um sorriso banguela para mim, mas logo se transformou em uma feição de choro. Mesmo assim, não soltou meu dedo, apenas o segurou com mais força e o seu simples toque acalmou a agitação dentro de mim, algo nunca sentido atingiu-me como uma flecha envenenada de Vampiresbane². Precisava protegê-lo. Inspirei o ar frio e ditei para ele, ou para mim mesmo:

ㅡ Não posso te matar, tem que haver outro jeito.

Sentia, de alguma forma, que devia mantê-lo em segurança e protegê-lo de todo mal, ou seja, protegendo-o da minha própria raça e de mim mesmo. Havia algo naquela criança. Ele me mostrou lembranças das quais eu não me recordava, e pude sentir que aquele rosto nebuloso havia sido alguém importante para mim, mas não lembrava de sua existência. Não havia nada em minha mente, pois tudo o que me recordava da minha vida humana era da noite em que a chacina ocorreu. Não havia recordações antes do ocorrido. E agora eu precisava descobrir o meu passado... Essa criança, esse lupino... Havia algo poderoso dentro dele, despertando uma sede da qual eu nunca tinha sentido.

O choro estridente espalhou-se por todo o cômodo, passos pesados e falas bagunçadas ecoavam do andar debaixo. Isso significava que era a minha deixa. Olhei uma última vez para o berço e pulei da sacada para um galho grosso de uma das árvores que cercavam a casa, misturando-me entre a densa floresta, correndo para longe.

As nuvens de chuva cobriam o imenso céu, e o sereno mesclava-se nas copas das árvores. Alguns trovões sacudiam a terra, mas nem mesmo os trovões se comparavam a tudo que senti ao olhar naqueles olhos dourados carregados de poder. Inspirei o ar gélido, deixando meu pulmão se encher com o ar. Os pensamentos ainda nublavam minha mente, tentando compreender o que havia acabado de ocorrer, juntando as peças que estavam embaralhadas. O que diria a Nymeria? Que de repente havia desistido de matar uma criança que iria crescer saudável e pronta para acabar com toda raça vampírica? E que eu, certamente, estava facilitando isso ao deixá-lo vivo? Acabara de criar um grande problema para mim, mas estava confiante da minha decisão e arcaria com os problemas futuros, porque ninguém, nenhum maldito idiota chegaria perto daquela criança, eu a protegeria de todos. Estava mais do que óbvio toda a merda que enfrentaria dali adiante, o meu legado, o respeito que tinha dos meus seguidores, tudo poderia se virar contra mim em um único suspiro.

Desejei ser um covarde nesse instante e fugir para longe dessa situação, me abrigar na minha casa ilhada, longe de todo esse caos, o único lugar onde podia ter paz por um momento, mas paz era tudo o que eu não tinha há tempos. Talvez um bar com humanos bêbados o suficiente para me aproveitar de suas veias e me ''intoxicar'' com a podridão de seus sangues.

Encarei o céu domado pela escuridão, os pingos da chuva se assemelha a pequenos cacos de vidro que cortavam minha pele. Necessitava saber quem era aquela ou aquele que me protegia do frio do inverno, aquecendo meu corpo. Precisava das minhas lembranças, porque o vazio de não as ter era doloroso, até mesmo para um ser como eu.

ㅡ PORRA! QUE GRANDE MERDA, DESGRAÇA! ㅡ Violentamente atingi socos em um tronco de árvore, arrancando generosos pedaços desta.

A confusão e os pensamentos embaralhados agora se transformaram em fúria, raiva. Se pudesse, colocaria fogo no mundo inteiro e acabaria com tudo de uma vez. Sempre tivera um lado nessa guerra, contudo agora, com a criança lupina, eu estava em uma corda bamba entre ambas as espécies, proteger os meus e proteger ele, Kim Taehyung. 

Wolfsbane¹: Planta venenosa para a espécie lupina, o líquido da flor causa uma grande dor quando entra em contato com o corpo lupino, chegando a causar paralisia e morte caso for ingerido.

Vampiresbane²: Planta venenosa para a espécie vampírica, a flor causa perda de sentidos, uma grande dor, pode levar a morte caso for ingerido.

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Espero que gostem desse capítulo, eu adorei escrever ele e estou louca pra poder mostrar todo o passado do Jungkook pra vocês!

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