A primeira vez que eu o vi foi quando eu tinha seis anos. Naquele dia, eu acordei no meio da noite. Quando abri os olhos me deparei um uma máscara branca de porcelana com olhos e boca negros. Levei a mão esquerda até a boca sufocando um grito e com a direita eu acendi o abajur. Soltei o ar dos pulmões aliviada e meu coração aos poucos voltou ao batimento normal. Não satisfeita, me levantei da cama e verifiquei o quarto para ter certeza de que não havia ninguém além de mim ali. Ao constatar que era a única ali, me deitei novamente na cama. Ergui a mão até o abajur para apagá-lo, mas recuei e acabei por dormir com a luz acesa.
Noutro dia, na hora de dormir, fui até o quarto e abri a porta. Encontrei ali uma escuridão profunda a qual ignorei, até que uma risada abafada me chamou a atenção. Levantei o olhar e me deparei novamente com aquela máscara inexpressiva que me fez arrepiar. Foi naquele momento que eu constatei que aquilo não era imaginação. Ele era real.
— Pai! — Gritei correndo até a sala, com o coração acelerado e lábios trêmulos. — Pai, tem alguém no meu quarto. Tem alguém no meu quarto!
Meu pai se levantou do sofá na mesma hora e correu até meu quarto. Eu fui atrás, me sentindo mais segura por estar com meu pai. Ele acendeu a luz e verificou cada canto do quarto mas não tinha ninguém.
Desde esse dia, percebi que aquela criatura mascarada só aparecia no escuro. Eu mantinha as luzes acesas e assim permanecia em segurança. Mas as contas de luz começaram a aumentar e meus pais logo descobriram meus truques e me proibiram de deixar a luz acesa. Eu, claro, não segui as regras. Ao ver que eu estava desobedecendo, eles iam até meu quarto durante a noite e apagavam eles mesmos e aí era só uma questão de tempo até eu acordar com os risos abafados daquele mascarado.
Deixar as luzes acesas já não era mais opção, mas eu não podia ficar no escuro. Quando as luzes se apagavam, ele aparecia. Eu abri o meu cofrinho e comprei duas lanternas elétricas. Uma delas era para ficar comigo caso ficasse escuro e a segunda era para quando a primeira não funcionasse. Assim, eu conseguia dormir feito um bebê. Vez ou outra, eu o via nos cantos escuros da casa. Embaixo da cama, dentro do guarda roupa, onde as paredes se encontravam. Isso é bizarro, é assustador. Mas o que me acalmava eram as lanternas. Ele não poderia chegar perto de mim enquanto eu estivesse com elas. Era como se ele fosse o vampiro e eu segurasse alho.
Aquilo funcionou por um tempo. Eu tive uma vida normal mesmo com aquela coisa me observando nas sombras. Claro que sair a noite era impensável, mas era uma pequena coisa a se renunciar pela minha sanidade mental.
Aos quinze anos, fui ao cinema pela primeira vez. Eu nunca tinha ido e meus amigos me convenceram que seria uma boa experiência. Compramos pipoca e refrigerante e entramos na sala. Me surpreendi com a quantidade de pessoas ali e confesso ter gostado do ambiente. Isso é, até as luzes se apagaram. Lentamente, o cinema escureceu. Segurei com força as mãos da minha amiga, que estava ao meu lado. Fechei os olhos e respirei fundo. Estava comprometida a superar esse medo, dizendo para mim mesma que aquilo não era real. Que ele não era real.
Que enganação! Quando abri os olhos, ele estava em toda parte. Cada pessoa naquele cinema se virou para mim lentamente, e cada uma delas era ele. Virei para a minha amiga, cuja mão eu segurava desesperadamente. Mas não era a mão dela que eu segurava. Era a mão dele. Puxei meu braço gritando e chorando como uma criança e corri para fora de lá. Me sentei num banco do shopping e agarrei minhas próprias pernas chorando e trêmula de medo.
— Você está segura. Ele não pode te pegar aqui. Ele não pode. — Sussurrava para mim mesma até me acalmar.
A partir daqui, as coisas começaram a desandar. Eu não conseguia mais socializar. Não falei com meus amigos depois do ocorrido no cinema. Cada vez que eu olhava para eles a imagem da máscara aparecia na minha cabeça, a lembrança de segurar a mão daquilo me deixava tão apavorada que eu começava a chorar.
Em determinado dia quando essas lembranças pavorosas rodavam minha mente, um pensamento surgiu. Um pensamento que me fez enlouquecer.
“ E se ele estiver me observando quando as luzes estiverem acesas? Não é porquê ele só pode ser visto no escuro que ele esteja aqui somente no escuro.”
Eu comecei a me sentir vigiada por ele onde quer que eu fosse, seja no escuro ou na luz. Claro que isso não fez com que eu deixasse para lá o medo do escuro. Reconhecia que estava ficando paranóica, mas quais opções eu tinha? É claro que pensei em consultar um psicólogo ou quem sabe um psiquiatra, mas o que eles poderiam fazer? Eu estava convencida que ele era real, eles me diriam que não e me dariam medicamentos e… E em algum momento poderiam tirar minhas lanternas de mim. Eu não podia ficar no escuro.
Assim que atingi a maioridade, me mudei de casa. Não queria ficar na mesma casa que meus pais, pois eles costumavam pegar no meu pé por conta do meu medo. Certa vez, uma das minhas lanternas não havia carregado pois segundo minha mãe eu estava obssecada com isso e já não era mais uma criança.
Eu estava. Muito. Tinha medo do que ele poderia fazer se tivesse a chance, o que ele faria além de me assombrar. Nesse ponto eu estava perdendo a cabeça. Precisava de uma casa pequena e bem iluminada, sem cantos escuros. Eu consegui tal residência, e não saia de lá. Sabia que ele poderia estar em qualquer lugar e eu iria surtar se o visse no escuro do banco de trás de um carro.
Mas eu não esperava que houvesse uma queda de energia. Todas as luzes da casa se apagaram de uma vez e ele apareceu. Acendi as lanternas, porém uma delas não funcionou pela velhice e a outra estava piscando. Não tinha carregado o suficiente. Xinguei e corri até a cozinha enquanto ainda tinha um pouco de luz. Apontava a lanterna para frente e cada vez que ela piscava ele aparecia mais perto. Seu riso abafado zombava do meu medo. Ele gostava de ver meu desespero. Era disso que se alimentava. Com o isqueiro, acendi uma vela.
— Medo do escuro? — Sua voz abafada sussurrava nos meus ouvidos, tão próxima que podia sentir seu hálito quente.
Não respondi. Eu estava pronta para uma situação como aquela. Corri até um quarto pequeno e cheio de velas, que eu rapidamente acendi.
Eu podia ouvir os passos do lado de fora, ecoando pela casa escura e silenciosa. Logo os passos pararam e ele parecia estar na frente da porta.
Me sentei no chão chorando ao escutar as batidas incessantes na porta.
— Me deixa em paz! — Gritei para a criatura que ameaçava derrubar aquela porta.
— Ele não pode me pegar aqui. Ele não pode. Não pode. Estou segura. Estou escondida dele. — Sussurrava para mim mesma.
— Tem certeza? — Uma voz que parecia vir do vento zombou e as velas apagaram, restando apenas a que estava na minha mão.
Ele não ia me deixar sair de lá.
— A escuridão sempre vence. A escuridão está em todos os lugares. — Ele dizia agora no quarto comigo.
Olhando para aqueles olhos negros e para aquela máscara de porcelana, peguei o galão de gasolina que escondia ali.
— Deixe a escuridão entrar. — Ele ria.
— Nunca. — Gritei e derrubei a gasolina pelo quarto e em mim, deixando que aquela pequena chama se transformasse num grande incêndio.
Me deixei ser consumida pela luz. Naquele momento e até o meu último suspiro, não havia nenhum canto escuro.
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Medo do Escuro
TerrorEu comecei a me sentir vigiada por ele onde quer que eu fosse, seja no escuro ou na luz. Claro que isso não fez com que eu deixasse para lá o medo do escuro. Reconhecia que estava ficando paranóica, mas quais opções eu tinha? É claro que pensei em c...