A natureza é surpreendente. A própria existência humana é consequência de um acaso, tanto que somos, por enquanto, a única espécie capaz de raciocínio lógico. Mas algumas pessoas me fazem questionar a inteligência humana.
Uma dessas pessoas é meu vizinho, Henrique. Por conta da nossa proximidade, eu sempre convivi com ele, desde muito nova. Estudamos juntos na mesma escola e eu sempre tive notas maiores que as dele. Nossas famílias são muito próximas, por conta da amizade das nossas mães. Elas trabalham juntos desde antes de nascermos, como biólogas veterinárias. O consultório delas fica no andar embaixo das nossas casas.
Onde nós moramos é um prédio antigo e, por conta da proximidade com a clínica, eu sou obrigada a conviver com esse idiota todos os dias, até de final de semana quando nós dois ajudamos no trabalho.
Se tem uma coisa que eu amo é trabalhar na clínica da minha mãe. Ficar próxima dos animais é um privilégio, mas ficar perto do Henrique é uma maldição. Ele também ajuda de final de semana, mas trabalhamos com coisas diferentes. Eu costumo ficar nos fundos, cuidando dos animais, já ele trabalha como atendente. Somos como cão e gato. Ele age como um bob na frente das pessoas, enquanto eu faço o trabalho duro. Minha mãe me fala que ambos os trabalhos são importantes, mas isso é inconcebível para mim. Eu não consigo gostar de alguém que age como um cão em um mundo onde gatos existem.
Gatos são seres muito superiores aos cachorros. São espertos, independentes e curiosos e demonstram legitimamente que amam seus donos. Cachorros são burros, ficam babando e molhando todo o lugar que passam com a língua de fora. Só dor de cabeça. Você não consegue adestrar um gato, por isso que não existem "gatos de luta".
Porém, eu preciso destacar uma característica boa do cachorro: Eles são muito leais e o cãozinho que trabalha comigo não é diferente.
Um dia, eu tive dificuldade em um trabalho da escola e minha mãe teve a brilhante ideia de chamar o cachorro para me ajudar. Obviamente, me neguei a aceitar ajuda a princípio, mas ela argumentou, dizendo que era um trabalho muito mais ligado aos interesses dele do que os meus, sobre anatomia canina e a importância dos cães na sociedade. Acabei aceitando pela ironia. O bobo ficou tão feliz em me ajudar que acabou fazendo o trabalho quase todo sozinho! Tive que revisar tudo de última hora e entreguei da melhor forma que pude. E o pior: O trabalho tirou nota máxima! E o pior ainda: Ele nem veio me cobrar nada e ainda nem se deu os créditos! Claro que eu sei que o trabalho só tirou nota máxima por conta da minha revisão, mas fui obrigada a creditá-lo quando a nota saiu.
Eu não consigo entender como a cabeça dele funciona. Só sei que é algo que não consigo compreender. Ele age tão estranho quando estamos juntos, seu cheiro parece sempre agradável, por mais que passe o dia todo com os animais e me abraça quando me cumprimenta. Odeio a forma com que fala sobre as coisas, mas não consigo entender como ele percebe o mundo. Ou como ele me percebe. Formamos uma dupla tão compatível quanto cães e gatos, mas... Será que cachorro velho pode aprender truques novos?