#1 - It's three o'clock in the morning, baby

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It's three o'clock in the morning, baby
I can't even close my eyes
Can't find my baby
And I can't be satisfied

— Three O'clock Blues, B.B. King

— Ok. Pelo menos dá pra descontar na ficção. E na vodka.

Do janelão da sala, Juliana conseguia entrever o parco movimento da avenida Nove de Julho. Sim, ainda havia pelo menos uma garrafa inteira de vodka no apartamento, se procurasse direitinho. E sim, ela também tinha uma insônia mais insistente que tia em ceia de Natal, piorada pelo conteúdo da mensagem que Camila lhe enviou, quase dez horas depois de seu convite para saírem.

"Não posso, vou viajar amanhã cedo."

Na semana anterior a desculpa foi a visita do irmão e, na semana antes daquela, o cachorro atropelado. Camila nem tinha um cachorro, caramba!

Mesmo Juliana, um fracasso ambulante no quesito entender sutilezas, não podia dizer que o recado não estava claro. Na verdade, deveria ter entendido a mensagem já com a história do cachorro, mas por que não insistir mais um pouquinho, né? Como era mesmo aquela frase que tinha visto em alguma rede social por aí? O importante era correr atrás da humilhação...

Juliana encarou a página em branco e a caneta-tinteiro cheinha da sua tinta favorita, aquela verde super cara, parcelada em várias vezes, mas que ficava uma belezura no papel. Levantou, abriu mais a janela para deixar entrar a brisa gostosa das três da manhã. No fundo da geladeira, encontrou um restinho de vodka, o suficiente para encher o copo ― acrescentando, claro, algumas rodelas murchas de limão. Deixou as dez páginas do novo capítulo de Oneiros brotarem de um só fôlego, um blues anônimo tocando baixinho na vitrola.

A história ― sobre um grupo de crianças que se encontrava nos sonhos para impedir que os pesadelos dos adultos destruíssem a cidade ― era publicada em capítulos toda semana numa plataforma gringa. Coisa simples e divertida, que ela havia começado mais para dar alguma utilidade às horas insones. Estava longe de ter muitos leitores, mais longe ainda de conseguir mais que alguns trocados com os anúncios da plataforma no fim do mês, mas aquilo a divertia. Naquele momento, era uma bela distração do fato de que quase todo adulto com quem tentava se relacionar parecia ter estacionado nos 15 anos de idade, com o botão de adicionar drama eternamente pressionado.

Ela não queria drama, só uma conversa bacana e quem sabe uns beijos, se as duas partes estivessem dispostas.

O celular vibrou e Juliana se sentiu meio idiota por pegar o aparelho quase na mesma hora, o coração na boca pela expectativa de ser uma mensagem de Camila. Era apenas um e-mail de alguém chamado R. Sakai. Orçamento de Arte p/ J.L. Associados, anunciava no assunto, e foi por mera vontade de procrastinar que Juliana abriu o e-mail em lugar de enviá-lo direto para a lixeira.

R. Sakai anunciava, num português de dar dor nos dentes de tão impecável, os detalhes da tabela do orçamento que enviava para a criação de um logotipo e de um manual de marca, coisas que provavelmente deveriam ter ido para JulianO Lima, não para ela.

Clicou no link do portfólio, na assinatura do e-mail, indo para uma página parruda e muito organizada no Behance. Sakai tinha um rosto redondo e simpático, emoldurado por óculos de lentes alaranjadas, e era dono de uma falha bonitinha na sobrancelha direita. Ela ignorou os logotipos e outras besteiras corporativas, indo espiar os demais trabalhos.

Puta merda! Sakai era o Gandalf das capas de livro: linhas minimalistas e cores fortes para complementar, pequenos detalhes tão bem colocados que explodiam como fogos de artifício em festa de hobbit. Praticamente funcionavam como sinopses para os livros.

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⏰ Última atualização: Oct 24, 2019 ⏰

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