CABELOS DE AMÔNIA

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Um cara tentou me vender um perfume

Eu estava sentado em uma mesa e ele chegou repentinamente.

Antes que eu o mandasse à puta que pariu, ele borrifou o perfume em mim.

No meu punho esquerdo.

Um cheiro forte do caralho e eu tive vontade de matá-lo ali mesmo.

Ele trazia, à tiracolo, uma garota de saia curta, de pernas cheias de cabelinhos.

Ela era a isca que o sem mãe usava para vender o produto.

Ela usava uma camisa de malha sem soutien.

Ele parecia chapado.

E ela não ficava para trás...

Tanto que sentou no meu colo.

Enquanto ele partia para outras mesas.

Naquele cenário, olhei em redor e até passei a mão em suas pernas.

Meus dedos sentiram aqueles cabelinhos duros, pintados com amônia.

Eles eram como ciscos numa pele lisa.

Naquele ímpeto, desejava que o vendedor tresloucado caísse numa vala.

Queria, até, me safar daquela situação indesejada.

Mas a mina continuava sobre o meu sofrível órgão.

Ela tinha um cigarro aceso e me deu na boca.

Ai, batonzinho vermelho no filtro...

Havia mil anos que eu não fumava, quebrei o selo ali, na hora.

Engraçado, consegui tragar, soltar a fumaça como antes.

É como andar de bicicleta

E, mais, acabei fumando todo o cigarro.

Eu já estava até achando o almíscar agradável.

Aquilo, misturando com o cigarro e o batom, virava um néctar.

Olhei para o lado e vi o doido vendedor.

Além do almíscar, uma alegria contagiante.

O maluco interagia em outras mesas e eu torcia para que ele ficasse por lá.

A garota continuava sentada em meu colo e soltava risos intercalados.

Sabe aqueles risos desconexos, sem motivos?

O bêbado, quando ri, está triste...

Exatamente quando pensei que as coisas iam bem

a mina levanta-se a vai para outra mesa.

Acho que os caras de lá não queriam o perfume, aí ela foi dar uma força.

Se eu pudesse pegar aquele nóia e jogar na rua, seria ótimo.

Dei um time e fui ao banheiro...

Disfarcei, escondendo o volume.

Bati na torneira regulada e ela esguichou.

Aparei a água na concha da mão, e lavei o rosto.

Voltei ao segundo tempo.

Será que vai dar rock?

Desvencilhei-me de um monte de idiotas até chegar à mesa.

Lá descobri que um desgraçado roubara o meu copo de cerveja.

A área da loja de conveniências, entupiu numa fração de segundos.

Parecia que o presídio tinha aberto suas portas, para os desmiolados.

Velho, gente da banda podre da vida, corja que não escova os dentes.

Horda de mercenários urbanos, putos...

Aproximei o nariz para sentir o cheiro no punho.

Estava menos irado, devia ser por causa da água regulada.

Queria saber quem bebera a minha cerveja.

Eu o faria vomitá-la na calçada em frente.

Mas no meio daquela porra, era melhor sentar e relaxar.

Minha mina de pelos de amônia, no mínimo, já estaria no colo de outro.

Olhei, por cima de um monte de cabeças, e não a vi.

Cresci um pouco, ficando como bailarina, na ponta dos pés.

Eu era um perfeito idiota...

Roubado e largado.

Com cheiro de almíscar sumindo, juntamente com a moral.

Quando virei-me, a minha mesa já estava ocupada.

Quis reaver o meu espaço, mas pensei duas vezes, velho...

Não valeria a pena, tinha uns caras mal encarados.

Só as tatuagens dos malucos, já me intimidavam.

Eu via, em seus olhos, a farinha branca, pura...

Fiquei no meio daquela turba ensandecida.

Cada qual, com sua loucura exposta.

Ali, dava para descobri, que os demônios somos nós.

Naquele exato momento eu era o menos ofensivo.

Mudei de lugar e pude ver a cabeça do vendedor de perfume

Levei um esbarrão e, quando me recobrei, ele havia sumido.

Ele era como um feiticeiro, que vira fumaça ao toque da varinha mágica.

Talvez fosse o próximo almíscar, sumindo na multidão.

Magnânimo que sou, desejo que ele quebre o pescoço no primeiro acidente.

Os fluidos estavam começando a aquecer e eu fui para a área periférica

Fiquei ali, como a um renegado, com olhinhos minguados de pedinte.

Eu era um mendigo, com receio de estender a mão.

Minha sorte mudou num estalo, quando um cara me deu uma cerveja.

Melhor dizendo, uma bicha.

Elas são sempre solidárias

Você já viu alguma bicha triste?

Na íris dos meus olhos, ela descobriu que eu era espada.

Foi amistosa, desinteressou e levou o papo adiante.

Disse a ela que iria vazar em poucos instantes, estava pregado.

Ela me desejou boa sorte e saiu, mandando um beijinho, soprado na mão.

Ela logo sumiu na multidão de um bando de loucos.

Da calçada oposta, eu via a fervura de um pileque urbano

Todos estavam loucos, alucinados.

No meu pulso, um resquício de cabelos de amônia e bafo de cerveja roubada.

Loucuras UrbanasWhere stories live. Discover now