Prólogo

5 0 0
                                    

Em uma cidade no interior de São Paulo, morava João Miguel, um homem já com seus 26 anos de idade. João sempre foi considerado alguém muito inteligente e quieto. Leitor ávido de livros de ficção cientifica e fantasia, escritor de histórias macabras e assustadoras na internet, viciado em desenhos de tudo quanto é país. Apenas mais um entre seus pares.

Mas não por muito tempo.

O paulista conclui seus estudos, formado em Letras por uma universidade particular, e agora trabalha na rede pública de sua cidade. Sabendo como a vida de um professor no Brasil é difícil, apesar de muito gratificante, João reconhece que a profissão não é recompensadora financeiramente, por isso não atua em sua área. Sua função na escola é a de secretário. Para ele, que está mais do que determinado em sair da casa de seus pais e sua irmã implicante, precisava desesperadamente de dinheiro. Entretanto, o homem não quer pegar empréstimo ou financiamento, não quer se ater a dívidas longas nas quais você já está anos morto e ela ainda acumula juros de tão longa que são. João simplesmente não quer passar sua vida inteira trabalhando para pagar por algo. Porém, o mesmo já está desistindo.

Em sua mesa na escola encontravam-se diversos panfletos e telefones de diferentes bancos. Naquele momento, João Miguel estava finalizando a matricula de uma nova criança. Só havia um pequeno problema...

- Como é seu nome mesmo? – João Miguel, paulista, 26 anos, signo de Escorpião e possui uma péssima memória. Sua memória é o que as pessoas tão popularmente dizem ser uma “memória de peixinho”.

- Você ‘tá de sacanagem com a minha cara né? – Paula, a mãe de Analua já estava na porta da secretaria à mais de 40 minutos fazendo a matricula de sua bebê na creche, também já estava de saco cheio. – Você já me perguntou meu nome umas trocentas vezes! O nome da minha filha umas quinhentas! E nem sei mais quantas vezes você já pediu meu RG ou endereço! – A voz de Paula, que segurava sua filha de 5 meses no colo, estava alta e transparecia claramente toda a irritação que a mesma sentia pela situação que se encontrava. – Me de a porcaria de um papel que eu vou escrever tudo quanto é dado que você precisa! Meu filho, dou até o tamanho do sutiã se isso for fazer você agilizar!

“Vai dar o numero da conta no banco e senha também?”

Era o que o João Miguel queria dizer, mas obviamente, como a pessoa muito sensata que é, segurou sua língua e não proferiu um piu. Apenas deu a folha solicitada com uma caneta e aguardou. Seu problema de memória era algo que ele vinha aturando e trabalhando desde a sua adolescência, quando na escola percebeu que não conseguia fazer a tão famosa decoreba, notou que ali estava seu diferencial. Foi naquele momento também que João Miguel entrou em desespero. Pois seu diferencial não tinha nada de positivo. Nada mesmo. “Qual o lado bom em ser ruim de memória?” pensava quase todos os dias de sua adolescência. E até hoje, não encontrou uma resposta.

Com a matricula finalizada e a mulher, que João já havia esquecido o nome, ido embora, ele tornou a olhar em seus panfletos e anotações, procurando o banco com menor juros e com a melhor proposta para que ele pudesse conseguir o dinheiro necessário para comprar sua casa. Tão concentrado em sua missão, não ouviu o portão da escola abrindo. Foi ali, naquele momento, que tudo foi por água abaixo.

João Miguel trabalha em uma escola da rede municipal de sua cidade. Uma creche, que atende crianças no período integral com a idade de 0 até 4 anos de idade. Uma escola que recentemente passou por uma reforma, que arrumou muitas coisas, menos as questões de segurança. Não há trancas durante o dia, alarme ligado somente de noite. Sem cadeados nos portões de entrada da unidade escolar. O portão que vinha logo após a porta de acesso a rua, um pequeno, que se encontrava ali apenas para não deixar as crianças descerem a escada enquanto ficavam no parque, este não tinha nem trinco. E hoje... Hoje eles perceberiam o quão tolos foram por adiar o conserto de algo tão primordial.

De cabeça baixa e focado em sua leitura, João Miguel não reparou que entrando na escola, logo na frente da secretaria, encontravam-se dois garotos. Dois meninos que não pareciam ter mais do que 17 anos de idade. Com os olhos vermelhos, por terem consumido drogas ilícitas, uma lata de cerveja em uma mão e uma faca na outra, Pedro, um dos garotos que entrou na escola, gritava:

- Cadê a porra do meu dinheiro?

Foi então que João Miguel notou que havia algo errado. Levantou a cabeça lentamente, como se não acreditasse que houvesse alguém que não fosse as crianças e suas professoras – que ele não sabe lembra o nome – estivessem gritando na escola. Com a cabeça erguida, deu de cara com os dois intrusos.

“Cadê a Diretora quando se precisa dela?”

O que João Miguel não sabia, era que aquele dia, 30 de Outubro de 2019, não era seu dia. Ele devia ter notado os sinais. Realmente deveria. O pombo fazendo barulho no telhado de seu quarto. Sua cachorra tão amada, que ele vive chamando de bebê ou amorzinho, porque não se recorda o nome dela, havia feito suas necessidades bem na porta de seu quarto. O pão que acabou. As três matriculas que teve de fazer no dia de hoje, quando o ano já está acabando... Estava tudo ali. Tudo muito claro. Não era seu dia. Então é obvio que, para deixar seu dia azarado mais azarado ainda (se é que é possível), a gestão da escola não estava presente. Não que fosse algo fora do normal. Vira e mexe elas tinham de sair e resolver algo. Desde um cabelo que estava fora do lugar e precisava ser lavado, à uma reunião pedagógica. É meus queridos, a vida não é fácil pra ninguém. Mas para João Miguel, neste dia, estava para ficar muito pior.

- Moço... Senhor... Pessoa... Carinha... – no nervosismo, não sabia nem como chamar o garoto a sua frente. Este foi o primeiro erro de João Miguel. Demonstrar fraqueza. Se ele tivesse frequentado suas aulas de Jiu Jitsu até o ultimo dia, ou se simplesmente tivesse uma memória melhor, teria se lembrado dos ensinamentos de seu professor. Pois sua primeira regra era: NÃO DEMONSTRE FRAQUEZA AO SEU INIMIGO. Seu segundo erro foi não ter notado que os garotos não estavam com suas mentes em seu estado normal, em pleno funcionamento. – Aqui não tem dinheiro não. Escola pública, sabe como é né?

- Escuta aqui seu otário! – Tanto quanto João Miguel tem problema de memória, Artur, o segundo garoto, detém de impaciência. – Quero saber merda nenhuma das suas desculpas! Nóis veio aqui pra pegar dinheiro e num vamo sair daqui sem as porra das notas! Tá ligado?

“Rolei na merda e sambei na cara de um santo! Não é possível!” 

João Miguel estava sem saber o que fazer. Temia naquele momento, não por si, mas pelas crianças que estavam na escola, todas no horário de sono. Se os dois entrassem no estado em que se encontravam, sabe-se lá o que poderiam fazer. Mas não tinha como segurá-los, não tinha dinheiro para entregar e estava sem ideias.

Sua falta de ação foi o terceiro e ultimo erro que João Miguel cometeria naquele dia. Irritados com o que consideravam demência, os garotos começaram a tomar uma atitude. Paulo, que estava mais perto da abertura da secretaria, apertou a faca em sua mão direita e jogou a latinha de cerveja vazia na cabeça de João que, desorientado, cambaleou um pouco. Tempo o suficiente para que ele o agarrasse pela gola da camisa, puxasse para frente e enfiasse a faca no olho esquerdo. A força de Paulo foi o suficiente para fazer com que a faca perfurasse seu crânio e matasse o secretario na hora.

Se João Miguel tivesse conseguido enrolar os dois garotos por mais um pouco, ou tivesse se agachado e depois trancado a porta da secretaria, se ele apenas se lembrasse que não havia como os dois irem atrás das crianças, pois o portão de entrada ao refeitório, que leva as salas de aula, estava –milagrosamente – com um cadeado, talvez tivesse ficado vivo. Visto que com a gritaria de Paulo e Artur, uma das professoras já havia saído na porta de sua sala e observado o que estava ocorrendo. Ela entrou novamente, começou a arrastar o armário da sala para barrar a porta enquanto mandava, silenciosamente, que a sua auxiliar de sala mandasse uma mensagem para as demais professoras, que tão logo receberam a mensagem, trataram de fazer o mesmo.

João Miguel só teve tempo de sentir uma dor alucinante em seu olho, seguido de mais nada. Não houve luz no fim do túnel, não houve um filme retratando toda a sua vida. Nada. Apenas calma. Silêncio e escuridão. Ou foi assim que ele pensou. 

Notas Finais

Não, eu não escrevi errado a fala do meliante. Está em itálico justamente por ele falar "aportuguesado", na gíria.
Espero que gostem.
Vejo vocês no próximo mês.

Revival - Outro MundoOnde histórias criam vida. Descubra agora