Prólogo

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Há seis anos...

O dia parecia ter sido pintado por um artista. A luz dourada do sol irradiava calor e vida, enquanto as flores desabrochavam em um espetáculo de cores, saudando a chegada da primavera, minha estação preferida. Na rua, as crianças brincavam animadas, algumas corriam atrás de uma bola, pedalavam bicicletas com destemor, enquanto outras deslizavam graciosamente de patins ou brincavam com suas bonecas. Mas eu, ao contrário, não me encontrava nas brincadeiras habituais. Meu coração se voltava para a vastidão do ar livre, para a natureza em toda a sua exuberância, para os matizes e aromas que permeavam o ambiente. Eu ansiava pela sensação de liberdade, pelo vento acariciando meus longos cabelos, e era isso que me fazia correr desenfreadamente atrás das borboletas, fascinada pela sua beleza efêmera.

Foi então que avistei, do outro lado da rua, uma borboleta azul deslumbrante, suas asas ondulantes capturavam a luz do sol, e meu coração ardia de desejo por tocá-la. Em um impulso de euforia, esqueci as palavras sábias de minha mãe - "Antes de atravessar a rua, olhe para os dois lados" - e lancei-me em sua perseguição. Em meio à minha corrida desenfreada, ouvi a voz de Rafael, meu melhor amigo, chamando-me. Interrompi meu trajeto, buscando-o entre a multidão de crianças, mas ao virar o rosto para procurá-lo, deparei-me com Gustavo que pedalava sua bicicleta em minha direção com uma enorme determinação.

Seus olhos faiscavam com uma malícia palpável, e percebi tarde demais que eu era seu alvo. Tentei mover-me, implorar a meus membros que corressem para a segurança, mas minhas pernas pareciam de chumbo, e tudo o que consegui fazer foi fechar os olhos, esperando pelo impacto inevitável.

E então o golpe veio, mas não da forma que eu havia temido. Não senti dor aguda, nem fui arremessada ao chão com violência. Em vez disso, encontrei-me repousando suavemente sobre o asfalto quante, e uma visão inusitada me saudou. Rafael estava ali, em cima de Gustavo, desferindo golpes com fúria contida. O que aconteceu? O que ele estava fazendo? Com o coração em frangalhos, gritei-lhe para parar, temendo que sua ira infligisse danos irreparáveis a ambos.

— Rafa, por favor, para! — implorei, mas ele não parecia ouvir meu apelo desesperado. Lágrimas brotaram de meus olhos, escorrendo livremente por minhas bochechas. — Rafa, por favor! — repeti, minha voz transformando-se em um grito desesperado. — Estou com medo — murmurei, quase inaudível.

Finalmente, ele voltou-se para mim, seus olhos azuis, normalmente tão serenos, agora transbordavam de preocupação.

— Manu, o que aconteceu? Você está machucada? — perguntou ele, seus lábios entreabertos em preocupação genuína. Eu não pude conter as lágrimas, nem mesmo formular uma resposta coerente, então estendi a mão trêmula na direção de sua boca machucada.

Ele segurou minha mão, sua expressão suavizando-se em um gesto de compaixão, seu sorriso, iluminado por uma ternura genuína, me aqueceu por dentro, enquanto sua outra mão gentilmente acariciava meu joelho machucado. Ele aproximou-se com uma calma reconfortante, e então seus lábios macios encontrando minha pele com uma delicadeza que me fez fechar os olhos e perder-me na sensação.

Cada toque era uma carícia carregada de afeto, seu hálito quente envolvendo minha pele com uma doçura tranquilizadora. Após o beijo, ele ergueu sua cabeça, e seus olhos, tão penetrantes, encontraram os meus, como se buscasse a confirmação de que eu estava bem.

— Está melhor agora, meu anjo? — perguntou ele, seu hálito quente acariciando minha pele à medida que ele depositava um beijo gentil em meu joelho dolorido.

— Sim — murmurei, meus olhos encontrando os dele em um elo silencioso de entendimento mútuo.

Ele sorriu, um sorriso que parecia conter todo o calor do sol da primavera.

— Minha mãe costuma dizer que um beijo cura quase todas as feridas — brincou ele.

Rafael observava-me atentamente, seu olhar transparente transmitindo uma calma reconfortante. Levantei minha mão, traçando o caminho até o machucado em seu rosto. Seus lábios estavam levemente cortados, uma pequena marca que contrastava com a suavidade de sua pele.

Reunindo toda a coragem que pude encontrar dentro de mim, uma ousadia irresistível brotou em meu coração.

— Rafa, você disse que um beijo cura quase todos os machucados, não é? — indaguei, permitindo-me olhar em seus olhos sem hesitação.

Enquanto meus dedos traçavam a extensão do ferimento, um turbilhão de emoções tomava conta de mim. Sabia que Rafael já tinha alguma experiência amorosa, enquanto eu, apenas uma criança descobrindo a vida, estava prestes a embarcar em uma jornada desconhecida.

Não seria um beijo de verdade, mas seria o meu primeiro beijo, um gesto carregado de inocência e curiosidade. Ele permanecia imóvel diante de mim, como se temesse que um movimento seu pudesse quebrar o encanto do momento.

Com a mão ainda sobre sua boca, aproximei-me, nossos olhares se mantendo conectados. Quando nossos lábios quase se encontraram, minhas palavras escaparam em um sussurro carregado de significado.

— Esse beijo é para ''sarar'' — declarei, permitindo-me cruzar a distância restante entre nós e depositar um beijo no canto de sua boca.

Rafael permaneceu imóvel, como se o tempo tivesse suspenso sua respiração e seu movimento. Lentamente, retirei meus lábios de sua pele, nossos olhares se encontraram, e algo entre nós mudou irrevogavelmente. Eu me perdi na imensidão de seus olhos, ciente de que o que quer que acontecesse a partir daquele momento, nunca mais seria a mesma, e talvez, esse pode ter sido o meu erro, mas uma coisa era certa, aquele beijo inocente permaneceria gravado em minha memória para sempre.

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