CAPÍTULO 1

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Estava quase anoitecendo quando o motorista enviado por tia Elisa inseriu o cartão de acesso à cancela do condomínio. Maior e mais habitado de Gioto, o Royal Ville tem casas cerceadas de grandes árvores e jardins que variam entre gramas bem cortadas ou tão altas que cobrem a fachada de diversas mansões, assim como guardam riquezas e segredos dos principais administradores daquela pequena cidade, localizada no extremo sul do Pará. Ainda que eu tenha passado pelo menos sete períodos de férias ali, a grandiosidade das casas e a imponência dos carros luxuosos me impressionavam.

As alamedas asfaltadas do Royal Ville eram largas e compridas, embora poucas casas coubessem em cada uma delas. A de meus tios é a última da rua principal, mas fica próxima ao Clube e de outras três enormes e imponentes residências. Sendo assim, é uma via de bastante tráfego. Mas hoje, com aquela chuva fina de janeiro, não havia ninguém em frente à casa dos Marques quando entramos na garagem espaçosa o suficiente para caber um terço do apartamento em que moro lá dentro.

O motorista pegou minhas malas e as levou pela entrada da garagem, caminhando rápido para não se molhar no trecho que divide a área externa da sala de estar, deixando-me estática de nervosismo entre o carro do qual acabáramos de sair e a 4x4 de meus tios.

Observei as cadeiras de praia molhadas e a piscina rodeada pelo jardim à frente, transbordando pela água da chuva. Olívio fez sinal através da porta de vidro da sala, são e salvo dentro da casa. Segundos depois, meio impaciente (uma característica dos giotenses sempre alvoroçados), voltou com um guarda-chuva e me pediu para entrar. Obedeci, andando vagarosamente pelo frio na barriga que não tinha nada a ver com o clima chuvoso.

O sotaque apressado de tia Elisa me deu boas-vindas, seguido de um abraço apertado e longo, cheio de elogios saudosos. Por sobre seu ombro que cheirava a perfume caro, fui atraída para a sala de jantar ao longe e observei seu filho mais velho fazer um sinal com o dedo indicador, me pedindo para aguardar sua conversa ao telefone terminar.

Forçosamente, desviei o olhar da outra sala e fitei os olhos azuis de titia, causando uma contração maior em meu estômago, pois eram idênticos aos do filho.

- Está com frio? – os lábios cheios do último preenchimento se mexiam um tanto soltos enquanto eu tentava raciocinar. Demorei um pouco para processar sua pergunta, mas isso não fazia diferença, pois ela geralmente não esperava respostas para tomar algumas atitudes.

Suas mãos me guiaram em direção à escada larga e branca que dividia a enorme sala ao meio.

- Luiza? – Uma voz parcialmente conhecida nos fez parar no primeiro degrau. – Tudo bem?

Era Rafael, o segundo filho de minha tia, que saía pela porta ao lado direito da escada, a qual minha memória registrou ser a sala de música. Seus olhos castanhos meio escondidos pelo cabelo escuro e liso, quase tão comprido quanto o meu, se estreitaram com alegria pelo sorriso fácil que lhe era peculiar.

- Tô ótima – eu o abracei rapidamente, dando um passo para trás para avaliá-lo. O preto ainda era a única cor de seu guarda-roupa. – Quando voltaste dos Estados Unidos?

- Faz uns três meses... – ele abaixou o olhar. – Hum... como é que a tia tá? E o tio?

Ninguém perguntava pela minha irmã. Ela sempre foi um saco.

- Todos bem...Hã... eu soube do que houve, sinto muito.

Ele assentiu uma vez e deu de ombros, agora sem vestígio algum de sorriso nos lábios, iniciando um silêncio de nossas partes. Tia Elisa, que assistia a nossa quietude incômoda por conta da minha inabilidade de ser mais sensível, pediu ao filho mais novo que me levasse até o quarto enquanto ia à cozinha, para ver como estavam os preparativos para o jantar e blábláblá.

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