Fique calma, princesinha.

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Amanheceu, meu celular com a chamada de Luana não parava de tocar, na verdade eu não havia falado com ninguém desde a notícia. Márcia passou o restante da noite comigo. Eram quase sete quando dei entrada na delegacia, o interrogatório durou mais ou menos uma hora, Márcia também havia sido interrogada.

O corpo seria liberado às dezessete. Eu não sabia por onde começar, não sabia nem ao menos o que fazer, eu nunca havia passado por isso.

— Helena? — um mulher extremante elegante, com pinga de boa moça mas também com um tom rude no olhar me chamou quando estava saindo da delegacia.

— Pois não?

— Eu sou a delegada Merie Cardoso, estarei à frente das investigações, quero que saiba que irei fazer o possível para encontrar quem fez isso com a sua família.

— Vou precisar prestar mais depoimento para você?

— Não, tenho certeza que o que temos já é necessário, quero que descanse, tenho certeza que digerir toda essa situação é difícil pra você, eu tenho seu telefone, entrarei em contato em breve.

— Tudo bem, obrigado pela prestação de serviço.

Ela assentiu e então adentro a delegacia. Um profissional a mais sempre ajuda.

— Quer comer alguma coisa? — perguntou Márcia.

— Preciso fazer algumas ligações, estou sem fome. Pode dirigir até minha casa?

— Claro vamos.

Eu tinha cerca de sete horas para organizar um funeral, eu não fazia ideia de como começar. Liguei para Luana e expliquei o que aconteceu.

— Sinto muito por ter dito aquilo no carro ontem, não foi de propósito. — Luana.

— Como você disse, é o que se espera de quem vive assim. Eu preciso organizar um funeral e não faço ideia de como começar eu preciso de ajuda.

— Eu te encontro na sua casa daqui uma hora, vou falar com o gerente e peço liberação.

O celular de Márcia tocou inúmeras vezes mas ela resistia em atender, talvez em respeito a mim ou por não querer falar com ninguém mesmo.

Meus pais eram mais importantes para ela do que para mim, eu acho. O estúdio que ela tinha no centro da cidade que residíamos foi construído, equipado e mobiliado tudo pelo meu pai, o presente para a filha que ele dizia que não teve a oportunidade de ter.

Márcia tinha lá seus vícios, como maconha, cigarro e bebidas mas, quem a julgaria por isso? Eles eram chegados, mais chegados do que eu com toda certeza.

Quando o celular tocou pela sétima vez o peguei.

— É melhor atender, a última vez que meu celular tocou assim...— não quis terminar.

Ela o pegou da minha mão e atendeu.

Enquanto Márcia falava ao telefone eu fixei meu olhar na janela. Porque não doía como era para doer? Porque a saudade não corroía meu coração, porque eu não sentia nada?

Talvez eu não tinha aproveitado e nem conhecido meus pais, talvez por ignorância ou até mesmo preconceito da minha parte, admito. A vida que eles levavam me trazia repulsa, e por medo de viver daquilo como eles eu me afastei, bloqueei e comecei a conhecê-los como pessoas mas não como meus pais. Agora talvez já era tarde, ou talvez não, talvez aquilo fosse necessário. 

— O Renato quer falar com a gente amiga.

— Quem?

— O Renato, ele estudou com a gente, o filha da dona Sônia da rua de trás.

Fiz cara de interrogação.

— Ele era o principal administrador do seu pai.

— Claro que não, não quero me meter nisso, não quero saber dos negócios do meu pai, por mim que ele fique com tudo. Se for para repartição de lucros ou me perguntar se eu quero algo do que o Romero deixou eu não quero, pode dizer que ele pode ficar com tudo.

— Não é sobre isso, confia em mim, tenho certeza que ele só quer ajudar.

Me acanhei.

Por ser do mesmo bairro e também muito próxima do meu pai, Márcia conhecia muito bem com o que ele trabalhava e quem trabalhava para ele, coisa que eu nunca soube e muito menos tinha interesse.

A casa do tal Renato não ficava longe da minha, quando chegamos uns moleques abriram passagem, tinham quatro ou talvez cinco, fortemente armados.

— A quanto tempo não vejo a herdeira do senhor Romero, sinto muito pela sua perca.

Um homem branco descia as escadas, cabelos loiros muito bem arrumado, cada fio no seu devido lugar.

— É Renato não é? Olha, eu não quero nada, não sou herdeira de nada, você pode ficar com tudo, eu não...

— Vejo que não mudou nada, ainda continua nariz em pé — ele sorriu — Não chamei você aqui para isso, sobre os negócios do seu pai, eu tomarei frente e você terá total liberdade financeira. Chamei você aqui para dizer que, não precisa se preocupar com nada, nada mesmo, o funeral, enterro, "nois" vai cuidar de tudo.

— "Nois?"

Seu pai tinha uma equipe muito bem formada, essa casa, tenho certeza que você não dá nada pela entrada, mais lá no fundo é onde a mágica acontece, a fábrica dos sonhos, são toneladas de droga por semana que nos....

— Poupe-me dos detalhes. Bom já que vão cuidar de tudo tenho certeza que não tenho mais o que fazer aqui.

— Vou estar aqui para o que você precisar, só quero que saiba que eu sinto...

— Sente muito pela morte dos meus pais, eu sei, eu também sinto. Agora se me der licença estou um pouco desconfortável aqui, o corpo será liberado às cinco da tarde, estarei lá para fazer a liberação e depois, você assume tudo.

— Tá bom princesinha — ele me olhou dos pés à cabeça com olhos um tanto salientes — Oh, cuida bem dela em Márcia, sua responsa.

— Sabe que eu cuido, sempre cuidei — ela sorriu e fez um toque estranho, com mais direções que um canivete suíço. Em seguida saímos de lá.

— Poxa você pedia ter sido menos....você! — disse ela entrando no carro e ascendendo um cigarro.

— Minha menor preocupação agora é fazer mimimi pra bandido! — peguei o cigarro da sua mão — Agora vamos pra casa por favor.

— Você quem manda, princesa! — ela debochou.

Um alívio, era isso que eu sentia, fazer o funeral de pessoas próximas a você mas que você nunca conheceu não era fácil, ainda mais para mim.

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⏰ Última atualização: Jun 30, 2022 ⏰

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