PORQUE ESCREVO

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Essa é uma das reflexões mais difíceis que já fiz em toda a minha vida, pela data do aplicativo que uso comecei desde o ano de 2019 e nunca me cobrei em terminar... em parte porque eu sei que são respostas inalcançáveis em sua totalidade, em parte porque eu sempre terei novos porquês para continuar escrevendo.  Costumo dizer que o artista por si só não fica satisfeito apenas no falar, ele tem uma imensidão de pensamentos e sentimentos que devem ser expurgados para alguém que queira entender sua loucura. Percebi lendo vários artigos de grandes escritores que levei tempos para conseguir extrair ou entender o que ele estava querendo dizer. Então acredito que para um artista sua forma de expressão é muito intensa para se limitar em uma conversa, ou seja lá qual meio de comunicação. O papel nos abraça e acolhe todo o tormento - seja bom ou ruim - e após muito digitar nem mesmo quem a escreveu consegue decifrar.

Em uma das mais famosas entrevistas de Clarice Lispector ela fala de um conto, o "Ovo e a Galinha" ao qual ela não compreende muito bem, citando-o como um de seus favoritos por ser um mistério para ela. Ela, sendo uma das maiores escritoras já conhecida e lembrada nesse país, se considera uma escritora amadora, porém existem vários outros trechos ao qual me identifico quando perguntado a ela "se você não pudesse mais escrever, você morreria?", respondendo ao entrevistador disse: "eu acho que quando eu escrevo eu estou morta" ela menciona que morre e renasce em cada uma de suas obras, mas não garante que seu renascimento virá porque tudo é muito incerto. 

A cada vez que assisto essa entrevista percebo uma semelhança em Clarice, não na forma de escrever ou sua magnitude na área literária, mas na singularidade das respostas muito pessoais sob as quais são vistas pelos seus amigos como ápice de sua depressão. 

Nos primeiros versos, antes de ter essa pequena introdução da minha própria obra amadora, comecei com;

escrevo porque perdi minha voz aos 9 anos

encontrei aos 13

a escondi até os 21

"falei" aos 22

escrevo porque existem várias maneiras de expor minha voz, podendo ser transmitidas contendo o êxtase da vida;

• a depressão;
• a felicidade;
• a tristeza;
• os vícios
• os medos
• o pecado
• a inocência
• a perdição
• o reencontro
• a voz
• a liberdade
• a cura
• a resiliência

Rubem Alves em um dos meus livros preferidos escreveu que o sofrimento e a solidão o fizeram sensível a voz dos poetas.

Fernando Pessoa declara que a arte é a comunicação aos outros de nossa identidade íntima.

Para Guimarães Rosa, poesia é irmã próxima da magia.

TS eliot tem um verso;
E ao final de nossas longas explorações,
chegaremos finalmente ao lugar de onde partimos
e o conheceremos então pela primeira vez...

Ele também escreveu o seguinte aforismo: "Numa terra de fugitivos, aquele que anda na direção contrária parece estar fugindo".

De Cecília, Drummond disse que "distância, exílio e viagem transpareciam no seu sorriso benevolente".

Também Nietzsche lamentava a solidão e o exílio. Desesperado por não ser entendido, disse que nunca mais falaria ao povo, só falaria aos amigos e às crianças. 

Acredito que todas as coisas que eu escrevi, muitas delas sem compreensão depois de relidas são tentativas perdidas de encontrar uma voz que não existe mais, uma mistura insolente sobre as consequências de um tempo que me trouxe traumas e uma certeza de sonhos completamente soterrados. Costumava saber o que estava escrevendo naquela época, costumava ter a mente boa e jovem para organizar cada pensamento e criar coisas menos complexas durante a minha sanidade, mas agora... só me sinto parcialmente sã depois que escrevo de uma maneira cômica que os ouvidos humanos são incapazes de compreender.

Sim, eu já tentei. Tentei de todas as formas compartilhar, as pessoas dizem que conversar faz bem, por muitos anos ouvi meus familiares criticarem supondo o que eu tanto fazia diante da tela do celular, o motivo de andar de um lado para o outro com o notebook na mão. 

Eu tinha um tio, sob o qual eu ficava em sua casa praticamente todos os finais de semana, durante a minha infância que dizia que eu só poderia estar escrevendo um livro.

Meu pai ficava abismado com a facilidade que eu tinha em digitar enquanto ele apanhava do teclado para publicar algo no facebook.

São muitas memórias. 

São muitos contos perdidos, textos e histórias ficticias que ficaram soterrados naquele notebook cinza que me acompanhava para baixo e para cima. São muitas memórias, desabafos, pensamentos, sonhos, que eu gostaria de rever para saber o quanto eu mudei, porque as vezes sinto a necessidade e vontade de voltar atrás apenas para fazer escolhas diferentes.

A poucos dias minha psicóloga perguntou se eu seria capaz de ser tão dura com a Lya criança, eu disse que não, que jamais a machucaria. Sua resposta foi simples e singela afirmando que eu não estava machucando, cobrando e sendo hostil com o meu eu adulto, mas sim o meu eu criança... aquela que passou por tudo.

De todas as formas que eu poderia gritar naquela época, sendo uma menina fechada, temperamento forte e orgulhosa, preferi escrever. Descobri que existem várias formas de lavar a alma, como desligar todos os aparelhos de comunicação e ligar uma de minhas playlists para tocar até cair em um sono...

Só que lá estava ele, os meus traumas tomaram conta do único lugar que eu acreditava ter segurança. Minha insônia começou depois de ter muitos pesadelos, paralisia de sono, acordar no meio da noite sem conseguir respirar, não conseguir voltar totalmente e quando voltava escrever os mais belos contos que você pode ler um dia. 

A maioria das minhas palavras hoje em dia saem em meio a crises fortes de ansiedade, que não é minha amiga, não foi convidada, não é bem-vinda, mas está sempre presente. 

Desde pequena o meu lar é a arte, o lugar onde ela já tentou atingir uma vez... passei por alguns anos sem escrever, sem conseguir assistir qualquer tipo de coisa na televisão, não ouvia música, parei de ler meus livros. Tudo que poderia me fazer escapar dela foi roubado por ela por algum tempo.

Até eu voltar, aos poucos.

Por fim creio que todas essas coisas que escrevi são uma tentativa de recuperar a felicidade perdida na infância, assim como Rubem Alves na sua velhice, depois de escrever muitos contos e livros, aos 85 anos lamentava ter medo de seu fim chegar antes que escrevesse todas as suas músicas que esperava serem escritas.

Porque escrevoOnde histórias criam vida. Descubra agora