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  Exitei por vários minutos, tentando juntar coragem o suficiente para abrir a porta. Já faz dez minutos que cheguei no hospital e ainda não consegui sair do lugar. Eu não sei mesmo o motivo de estar tão perturbado.

  É meu pai, e ele precisa de mim.  
  Não que eu possa fazer muita coisa, mas eu realmente queria poder... Droga!
 
  Quando eu me tornei tão covarde?! Ele está doente, por que não consigo encarar isso?!

–Senhor?... Precisa de alguma coisa?- Uma voz me perguntou pelo lado direito. Era uma enfermeira. Suspirei.

–De coragem. Por acaso você não tem nenhum comprimido ou injeção que me dê um pouco disso, certo?- Brinquei desanimado e ela sorriu.

–Alguém que está atrás desta porta te espera, certo? Algum parente ou um amigo?- Fiquei desconfortável com a forma rápida da sua dedução.

–Meu pai... Está doente e...-  
  Minha vontade era literalmente bater minha cabeça na porta branca até fazer um buraco e apagar. Eu estou dividindo isso com uma enfermeira desconhecida que apareceu do nada.–Acho que não aceitei isso ainda.- Ela pareceu não saber o que dizer. Dei de ombros. Não importava mesmo, eu não tenho mais nada tão importante a perder. Não terei essa chance muito mais vezes.

  Pus a mão na maçaneta e girei de vagar, empurrando a porta para trás com calma, diferente do meu estado emocional que se encontrava em pura desordem, caos e desespero.
 
  Tive que me segurar para não virar de costas e sair correndo, me enfiar no primeiro buraco mais fundo o possível que eu achasse e nunca mais voltar a superfície.
 
  Os olhos azuis, distantes, assustados e mesmo assim calmos que me encararam assim que abri a porta, se espremeram um pouco para dar um sorriso.

   Ele estava lá, sorrindo alegremente para mim. Mesmo depois de saber que o câncer já não tinha mais cura, ele ainda sorriu para mim.
  E eu nem mesmo consigo  retribuir.

–Nat...- Minha mãe se levantou da cadeira e veio me abraçar.–Eu fico tão feliz que você realmente tenha vindo. Eu sei o que você está sentindo.- Não, ela não sabe.  
  Não saberia nem se eu conseguisse falar agora.

–Oi, mãe. Como ele está?

–Ele não consegue falar muito. 
  Mas é compreensível, ele gritou tanto durante a noite.- Ela se afastou e olhou para ele, que agora estava concentrado em alguma coisa fora da janela.

–Desculpe não poder ter ficado com ele ontem, eu realmente queria mas... Eu...- Minhas palavras deram um nó na garganta e eu não fui capaz de continuar.

–Nat, querido, está tudo bem.
  Olha, seu pai está doente, mas ainda está aqui. Fale com ele, ele está tão feliz quanto eu de você ter vindo vê-lo.- Ela aponta para a cadeira em que estava sentada.–Eu vou ao banheiro e depois falar com a enfermeira dele. Qualquer coisa você entra em pânico e grita para um dos dezenas de médicos que passam por esse corredor a cada minuto.- Ela brinca e me dá um beijo na testa, saindo da sala.

  Eu a encaro sair. Ela está mal. E como está. Está com olheiras, e parece ter triplicado a quantidade de fios brancos no cabelo curto. Mas, eu não estou muito melhor. Tenho dormido tarde, acordado tarde, e quase perdi duas aulas por esse motivo.

–Nathan... Filho...- Me viro para ele. Sua voz é rouca e baixa.
  Parece estar doendo para falar.

–Pai? Sim?- Me aproximo dele.
  Seus lábios se separam e sua voz sai rouca novamente, em um tom muito mais baixo:

–Como vai o emprego?- Eu congelei na mesma hora.
  Emprego??? Me afasto dele rápido. Minha mãe falou isso a ele?!

–Pai, eu... Eu não...- Minha mãe entra no quarto novamente.

–Desculpe, não achei a enfermeira. Nat, pode me ajudar a procurá-la?- Ela me pede suplicando. Algo me diz que ela não estava muito longe da porta.
  Me levantei e fui com ela para fora.

–Mãe, que história é essa? Que emprego? Você sabe que eu ainda nem pensei no que quero fazer depois do ensino médio!

–Eu sei, querido. Desculpe-me.
  Mas seu pai está no hospital a muito tempo, ele nem se lembrava mais da sua idade.- É?!
  Como assim? Faz só um ano e meio.

–E você achou que mentir para ele sobre meu emprego era uma boa idéia? Mãe, meu pai tá...

–Eu sei. Nat, eu sei. Mas ele parecia tão insatisfeito com o fato de não poder ver você subir na vida que eu não pensei direito. Ele queria ver você no seu primeiro emprego, queria ver você se formar e tantas outras coisas. Eu não me perdoaria nunca se deixasse ele partir com a sensação de que falhou nos planos dele com você.
  Ontem mesmo, horas antes de ter tido aquele surto, ele me disse que se não conseguisse sair do hospital antes de você se formar ou trabalhar... Era para eu te pedir perdão de joelhos por ele, Nat.- Ela baixou a cabeça. Senti uma pontada de culpa.

–Mãe, eu sei que você queria deixar ele bem. Mas o que eu faço se das outras vezes em que vier visitar ele, a pergunta 'Como vai o emprego' me espetar de novo?

–Minta. Minta para ele. Diga que está ótimo, que você está gostando e... Reclame de um chefe, de um colega. Diga qualquer coisa que faça ele acreditar que você está trabalhando. Diga que a criança é uma pestinha, ou que não é.- Ela disse me encarando aflita. Eu pus as mãos em volta dos seus ombros.

–Mãe... Que criança?- Perguntei nervoso.

–Criança?... Criança!

–Mãe, que criança???- Segurei mais forte seus ombros e ele apertou os olhos atrás dos óculos, como se quisesse acreditar que não disse aquilo.

–Eu... Eu disse que você... Como ainda estava estudando, queria um emprego leve.

–E?...- Comecei a ficar com medo.

–E que você estava trabalhando como babá.- Ela pôs as mãos no rosto. Eu a soltei. Não sabia que expressão facial fazer, como reagir, nem o que sentir.

–Mãe, como assim? Você disse que eu estava cuidando de uma criança? Disse que eu estava trabalhando como babá?- Ela afirmou com a cabeça, ainda cobrindo o rosto.– Desde quando?

–Já faz uns dois meses.- Passou as mãos pelo cabelo.

–Ele acreditou nisso???- Ela afirmou de novo. Ah, céus. E agora???

–Você não imagina o quanto ele ficou feliz.- Ela disse finalmente me olhando nos olhos.–Achei que ele fosse levantar da cama e sair pulando pelo hospital com todos aqueles aparelhos.- Ela riu. E continuou rindo mesmo depois que começou a chorar. Senti aquela pontada de culpa se transformar em uma adaga enorme me atravessando o peito.

–Ah, mãe. Só você mesmo.-
  Abracei ela, enquanto a ouvia soluçar, sem mais nenhum vestígio de risada. Ela estava triste, porque ele estava se sentindo um pai fracassado.
  Agora eu estou me sentindo culpado, não sei o motivo, e um traidor por mentir para o meu pai nos seus últimos seja lá o tempo que for de vida.

–Eu preciso arrumar esse emprego.- Falei, e senti seu corpo ficar rígido.

My Little Psycho Onde histórias criam vida. Descubra agora