Dollhouse.

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Emily saiu da banheira de cerâmica branca e cheia de espuma, a taça de vinho vazia nas mãos lhe dava um ar luxuoso e sofisticado. O marido estava em reunião, então ela aproveitaria aqueles poucos momentos de paz.

A mulher tirou a toalha deixando os cabelos curtos e pretos caírem até alcançarem seus ombros. Por um segundo ficou na frente do espelho parada observando seu corpo esguio e com cicatrizes evidentes, perdida em pensamentos. Tinha apenas 18 anos quando se casou por dinheiro - culpa de seu pai - e agora, com 20 anos, sua vida aparentemente perfeita havia se tornado um completo inferno.

Deixou a taça no criado-mudo e vestiu uma camisola branca de veludo, por que ele a proibiu de sair de casa com roupas "vulgares", mas continua comprando essas camisolas que só servem para destacar os seios e os quadris? Ah sim, porque na mente dele ela o pertencia, de corpo e alma.

Ouviu quando os homens lá no primeiro andar foram embora, homens velhos que só viriam jogar poker. Insignificantes. Terminou de pentear os cabelos com a escova e a deixou delicadamente sobre a madeira, sem barulho, como havia sido forçada a aprender

Os passos desengonçados e barulhentos do marido foram ouvidos de longe, sempre descuidado e sem educação, se ela fizesse tais barulhos a punição seria evidente, punições essas que lhe deixavam profundas cicatrizes.

A porta de mogno foi aberta, o homem alto de quase 30 anos entrou puxando o nó da gravata. Emily virou-se de forma robótica e andou até o banheiro novamente, iria escovar os dentes e dormir, fazer o máximo para passar despercebida por ele.  

- Onde estão meus papéis? - nem percebeu Joseph ir até a porta do escritório logo a frente do quarto e berrar de lá. Emily nem havia tocado nos papéis, mas tinha que manter a educação como ele lhe ensionou nos últimos 2 anos. Ela pegou a escova de dentes e a lavou pacientemente com a água da torneira.

- Não sei. - Joseph voltou sem um pingo de paciência, ele cheirava a uísque e parecia estar sem dormir a dias. Aquela resposta não o agradou nem um pouco

- Como assim não sabe? - ele rosnou remexendo os inúmeros papeis os jogando para todos os lados. Emily escovou os dentes, até então despreocupada, e lavou a escova novamente, sempre educada e paciente - imprestável, estou falando com você! Ficou surda?

Joseph gritou exageradamente, Emily fechou os olhos apertando o cabo da escova de dentes, permaneceu calada. Sabia que se falasse agora seria punida. Era uma lista enorme de coisas que não deveria fazer ou seria punida.

- Você perdeu meus papéis. - sentiu os ombros estreitos serem agarrados por mãos grandes e fortes o bastante para quebrarem suas asas. Foi sacudida como uma boneca de pano até as marcas roxas ficarem impressas em sua pele.

- Já disse que não sei onde estão! - foi jogada contra a parede do banheiro, a escova caiu no chão e foi esmagada pelo sapato social que ele usava.

- Perdeu meus papéis e agora está mentindo pra mim. Imprestável, não sei porquê me casei com você. - Emily permaneceu de pé mesmo que a vontade de cair no chão fosse grande. - Mas você vai pagar, vai sim. Vem!

Puxou-a pelo pulso com tanta força para sair do banheiro que ela sentiu o osso reclamar e o sangue parar de circular por aquela área. Um, dois, três tapas seguidos que jogaram a mulher no chão. Era impossível se manter de pé. Sentiu o gosto metálico de sangue, o ardor em seu rosto, a dor em seu pulso e as lágrimas silenciosas caindo.

- Vai ficar aqui nessa porra de quarto até achar os papéis. - a empurrou no chão deixando o corpo pequeno da mulher jogado, andou com seus passos brutos até a porta e a fechou atrás de si, o som das chaves trancando-a ecoou pelo quarto. - Só vai sair quando achar.

- Abre a porta... abre a porta, Joseph! - mesmo que gritasse e esbravejasse, ele não abriria. Ela parou, os cabelos bagunçados, rosto vermelho, sua respiração acelerada e o corte latejante no lábio inferior. - Merda...

Parou de gritar quando ouviu a música alta vinda do escritório localizado a frente do quarto. Correu os olhos pelo quarto em busca de alguma saída. Ela iria sair. Nem que morresse no processo, mas iria sair.

Achou um potinho cheio de grampos de cabelo, sua mente trabalhava como uma locomotiva, aquela era sua chance. Com as mãos pálidas tremendo, pegou dois grampos e voltou até a porta praticamente correndo. Enfiou a ponta do grampo na tranca com violência, girou e forçou o máximo que podia até ouvir um click. Sorriu satisfeita consigo mesma, levantou e girou a maçaneta. A música encobriria qualquer barulho suspeito. Homem burro.

Mas a porta não abriu, estava emperrada, ela tinha que abrir aquela merda de porta. Ela tinha que escapar, sabia que morreria nas mãos dele.

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