Recomeço
"A noite permanece gritando para si, envolvendo-o pelas labaredas, esturricando sua pele. Uma alma da qual jamais terá paz".
—Autor desconhecido (adaptação)
J
imin observou as cortinas de voil se estendendo pela ampla janela à sua frente, a qual unia-se à estonteante vista de um Central Park iluminado por uma noite estrelada, que poderia ser assemelhada à pintura de Van Gogh. Ou, nos olhos do diabo, o inferno de Dante — almas prestes a desfrutar do terror caótico de suas próprias atitudes. Era árduo para o demônio acreditar que já a mantivera aberta para desfrutar tal esplendor, porém, aquele costume fora substituído pelo vazio barulhento de seus pensamentos frívolos.
O couro, tons marfim, feria as costas nuas de Park que revestia-se apenas pelos longos fios de suor escorrendo por sua derme desprotegida. Seus pés batiam de maneira incansável, ansiando em medo, na escuridão calada abaixo de si. E o peso estagnado em seu peito pareceu tornar tudo vagamente inerte.
Desviou o olhar do tecido o qual dançava com a brisa gélida vindo de uma estreita fresta na janela, e concentrou-se na maçaneta dourada se virando em um estalo — quase inaudível —, trazendo à tona um Yoongi encarando, com pesar, o rosto sem o vestígio de fascínio costumeiro. Então o torturador cerrou o cenho, buscando perfurar cada centímetro da mente confusa à sua frente.
Embora o semblante de Min sempre parecesse expressar uma frieza constante, antes de vender sua alma a Lúcifer, em sua época, o braço direito do diabo fora um dos homens mais felizes que Park já havia visto. Jimin lembrava-se do quanto invejava o rapaz de fios castanhos-escuros correndo pelo campo de girassóis enquanto cantarolava uma música de sua época e, por isso, nunca compreendeu o motivo de Min Yoongi ter se rendido ao diabo.
— A papelada foi concluída — os baques dos sapatos sociais foram cessados quando o demônio se aproximou o suficiente para que Park pudesse entrever a vestimenta produzida por Ralph Lauren — Tudo estará pronto em uma hora — disse, acomodando as mãos ásperas nos bolsos.
O silêncio instalou-se, insuportável.
Park virou-se para a mesa ao seu lado e conseguiu visualizar as manchas provenientes do copo suando perante o derretimento dos cubos de gelo. Pegou a garrafa de conhaque, a qual o acompanhou durante toda a semana, e voltou a despejar o líquido no recipiente cristalino.
— Agradeço, Min Yoongi — esboçou uma reação minimalista de satisfação, dando um gole considerável na bebida. Sentiu sua garganta gritar com a queimação, àquela altura, prazerosa.
O ecoar dos passos eclodiram outra vez contra o assoalho, porém, pausaram centímetros depois, tímidos.
— Você tem certeza do que está fazendo? — O demônio indagou, voltando-se para Jimin, permitindo os orbes tomarem tons suaves de marsala antes de retornarem para as jabuticabas costumeiras.
— Nunca tive tanta asserção antes — proferiu, à medida que o copo deslizou suavemente nas mãos úmidas de Park, fazendo o líquido formar um looping circular, antes de ser despejado de uma só vez na boca.
Era como se seu corpo fosse religado pela queimação indescritível feito labaredas ardentes nas chamas eternas. Naquele instante, Jimin poderia assemelhá-la a um dos mais fascinantes prazeres da vida: luxúria. E talvez fosse. Conforme a bebida deslizava por sua garganta, sentia-a fervilhar ferozmente em contraste com o sabor adocicado presente na língua vibrando pelo alto teor de álcool. Em compensação, Yoongi limitou-se a caminhar para fora do ambiente, trajado pela melancolia.
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DARK • JIKOOK
Mystery / Thriller[Livro físico pela Editora Ohana] As pessoas, em seu espectro material, precisam de tempo para se adaptarem. E mesmo que não sejam originalmente um ser humano, a razão não encontra-se absoluta, mesmo se tratando da morte. Lúcifer, após notar que um...