Capítulo 1

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Marina estugou o passo, esbarrando nos transeuntes para abrir passagem. Estava atrasada. Ainda tinha de passar em dois bancos antes que fechassem e entregar aqueles documentos no escritório do Dr. Moura.

Eram sigilosos e fora-lhe recomendado o máximo cuidado com eles, devendo ser entregues diretamente a ele.

Consultou o relógio de pulso e suspirou cansada. Por que tinha de ser

tudo ela? No escritório de advocacia em que trabalhava, havia outros

funcionários, mas o Dr. Olavo, seu chefe, parecia só ter olhos para ela.

Sempre que havia algum documento importante ou transação mais

complicada no banco, era ela quem ia.

— Você vai — determinava ele. — Sei que fará tudo certo.

Ela ia. Começara a trabalhar naquele escritório logo que entrara na

faculdade de Direito. Havia lutado muito para pagar seus estudos. Sua

família morava em Sorocaba, interior de São Paulo. Ofélia, sua mãe, era

costureira, e seu irmão menor, Cícero, estava cursando o ginásio. Seu pai

deixara a família quando Ofélia ainda estava grávida de Cícero, e nunca

mais os procurara.

Quando Marina decidiu fazer faculdade em São Paulo, Ofélia foi

contra:

— Somos apenas nós três — disse, triste. — O que faremos se você

também for embora?

— Eu não vou embora — respondera Marina com voz firme. — Estou

precisando ganhar mais para pagar os estudos.

— Você podia continuar trabalhando na farmácia do Seu José e

estudar outra coisa.

— Eu quero progredir na vida, mamãe. Ser alguém. Não quero ficar

atrás de um balcão a vida inteira. Vou continuar os estudos e me formar.

— Bobagem! Você já está com vinte anos. Logo vai se casar e deixar

os estudos de lado.

Marina apertou os lábios e disse com raiva:

— Não eu! Vou cuidar de minha vida e não vou arranjar ninguém que

venha atrapalhar. Pense bem, mãe: vou fazer carreira, ganhar muito

dinheiro e levar vocês para São Paulo. O Cícero também vai precisar

continuar os estudos.

— Eu ganho o suficiente para viver. Para que mais?

— Você faz o que pode. Mas tem nos sustentado toda a vida. Chegou

a hora em que eu posso ajudar a manter a casa.

Ofélia sorriu.

— Boa intenção você tem. Mas, até que possa colaborar com as

despesas, vai demorar. Quanto acha que pode ganhar em São Paulo?

Depois, terá que se sustentar. Não vai ser fácil.

— Eu me arranjo. A Bete me escreveu. Ela está morando em uma

pensão, e não é cara. Vou trabalhar na farmácia até receber o pagamento e

depois irei para a pensão. As aulas só vão começar no mês que vem.

NADA É POR ACASO  - ZÍBIA GASPARETTOOnde histórias criam vida. Descubra agora