Epílogo

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Acorda. Levantar. Comer. Sair. Metrô. Faculdade. Sair. Buscar Emprego. Casa. Jantar. Fingir  interesse nas pessoas. Dormir. Acordar. Repetir todo o ciclo.

Em um ano, existem 365 dias e seis horas, totalizando uma media de 52 semanas, e um total de 8760 horas, e mais 50 e tantos mil minutos e segundos. Quando paro pra pensar  nisso, me pego questionando sobre o que seria realmente o tempo? Ouço o tick-tack do relógio e penso que mesmo que aquela máquina pare o tempo vai continuar existindo, continuará correndo, continuará passando, mas ao mesmo tempo, nada muda. 1 segundo pode ser a diferença que leva um corredor de receber o primeiro lugar, na verdade, milésimos de segundo. O ponto é que talvez a questão não se trate sobre o tempo em si, mas sobre aquele breve instante. 

Lembro-me dos meus 7 anos de idade, quando olhava as imagens chatas nos livros, todas as pessoas cinzas seguindo em um mesmo sentido. Me questionava porquê delas não vestirem uma cor diferente, mais alegre. Disse a mim mesmo que nunca seria como aquelas pessoas, me deixando levar pela multidão. Iria, definitivamente, usar meu tempo.... ou melhor, meus instantes, da melhor maneira possível. Aproveitaria cada pequena coisa e sorriria a todo instante, não me jogaria na rotina, mas ainda que o fizesse, não iria deixar de lado quem eu era, ou a alegria que sentia em ser eu mesmo. 


Agora aos 20, me questiono sobre coisas como "o que é o tempo?' ou "quem eu sou?", não sei em que parte do caminho que me trouxe até aqui, acabei por esquecer sobre as respostas tão convictas que aquele garoto teve em seus longos e sábios 7 anos de vida. Me vejo todos os dias preso nessa rotina, nesse ciclo infinito: Acorda. Levantar. Comer. Sair. Metrô. Faculdade. Sair. Buscar Emprego. Casa. Jantar. Fingir interesse nas pessoas. Dormir. Acordar. Aguardar o final de semana. 

Aos sábados, não tenho faculdade e a maioria das entrevistas de emprego ocorrem apenas ao longo da semana, então nesse tempo eu, literalmente, sinto que estou apenas observando a vida passar bem diante de mim. Quero com todas as forças me agarrar a ela e dizer que não vou deixar ela se partir assim, mas quando tento me mover, simplesmente não sinto meu corpo, não sinto mais minha mente, nem sinto que possa ser capaz de tentar ir contra essa sensação de aprisionamento dento de mim mesmo.  O mesmo se prolonga por todo o final de semana. Isso era até suportável quando viva com meus pais, era uma cidade pequena afastada de Seul, mas então, em um de meus devaneios desses de final de semana, decidi que precisava fazer algo pra mudar essa realidade, precisava fazer algo. Não me era mais suportável assistir meus pais dando tudo por mim, enquanto eu ficava deitado apenas usando a desculpa de que ainda não era meu tempo. Resolvi que meu sonho seria o de conhecer as pessoas que por tantas vezes me fizeram rir e chorar, que me deram ânimo e me impulsionaram a arriscar, pus isso em mente e lembrei daquele garotinho alegre de anos atras. Foi assim que, após convidado por meus tios, vim morar nesse lugar ainda alheio a mim. 

              Jeon? Por quanto tempo mais pretende ficar assim? Já está na hora de voltar? 


A voz doce e distante de alguém soa por minha mente, fazem dias que ouço isso, penso que talvez seja a de alguém do lado de fora de meu quarto, na verdade, talvez seja só minha própria mente lutando contra o impeto de permanecer se isolando. Meus tios são pessoas boas, mas ainda me sinto como se não fizesse parte deste lugar. Nunca sei como agir, não sei como, quando ou o que falar, sinto que estou incomodando, sinto que preciso de alguém pra abraçar, mas mesmo cercado de pessoas não há ninguém... 

Ouço batidas em minha porta, levanto de minha cama e abro a janela, é tarde de domingo, desde ontem pela manhã, me recuso a sair a menos que seja para comer e ainda sim algumas vezes não sinto fome. Minha tia me chama agitada, pedindo que a ajude com o jantar. Abro minha porta me deparando com um de meus primos, o único que eu não queria ver diga-se de passagem. Ele me entrega um papel com algumas coisas escritas e informa haver sido a lista de compras que minha tia houvera pedido para que eu fosse comprar. Sorri simpático, me troquei e segui para fazer o que me fora pedido.

Ao anoitecer, a casa estava cheia, como era de costume aos finais de semana em que todos, ou ao menos a maioria, conseguia estar de folga em casa. Visto uma roupa comum para estar na sala com os demais. A angústia corrói meu peito, o medo do julgamento alheio, a preocupação com a semana que em breve irá se iniciar, e todas as outras coisas que a vida tem me proporcionado,  se fazia presente em cada segundo ali, no entanto tentava não transparecer. 

- E então Jeon, quando pretende começar a trabalhar? - Perguntou  minha tia enquanto terminava de preparar o suco que logo seria servido. 

- Estou aguardando uma resposta de algumas entrevistas, espero começar em poucos dias. - Sorrio simpático enquanto respondo brincando com o cachorro.

- Não sei se eu teria a coragem que você teve de sair de sua casa e vir morar conosco - Minha prima dissera para mim com um sorriso doce em seus lábios - Eu realmente admiro você Jeon.

- Não vejo razões para isso... - Falo sinceramente, sempre sorridente. - Querem assistir a algum filme? Já faz um tempo que não fazemos isso hm? Posso preparar o brigadeiro enquanto os demais escolhem o filme, o que acham?

A esposa de meu primo mais velho é a primeira a concordar, meus tios resmungam algo sobre não gostarem disso e irem fazer algo diferente, mas a maioria resolve aceitar a programação. Dessa forma, finalizamos mais uma noite repleta de rizadas com os sustos que cada um levava. Cada primo com seu respectivo companheiro(a) e a mim restou apenas o balde de chocolate e dois gatos tentando constantemente me morder. 

Ao nos despedirmos, volto para meu quarto, local de onde preferia não ter saído desde o inicio. Pego meu computador, checo algumas coisas no telefone, e retomo a assistir a serie que estava assistindo. Assim, encerrou-se mais um dia e eu já sabia exatamente o que me esperava na manhã seguinte. 

Talvez houvesse sido esse meu erro, acreditar que já sabia o que aconteceria no dia seguinte. Todos os dias pareciam iguais, mas ao mesmo tempo pareciam diferentes. Não sei ainda por qual razão, mas é como se todos os dias meu corpo, minha mente e meu coração sentissem falta de algo, de alguém, de... não sei expressar o que seria, muito menos imaginar, mas tem sido essa falta que me tem deixado ainda mais frustrado que o normal. Mas foi naquela manhã, em uma segunda-feira fria de dezembro, que percebi pela primeira vez o que poderia talvez me trazer alguma resposta.

Em um de meus livros da faculdade, havia um papel um pouco... curioso. Um papel bem cuidado, tao cuidado que sequer houvera sido dobrado. O papel parecia totalmente vazio, se não fosse por aquelas pequenas palavras, escritas cuidadosamente no canto da folha.  "Jeon JongKook. Esse foi nosso 3° encontro."

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